São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Depois da temporada de mentiras


Caixa-preta eleita hoje ou daqui a semanas terá de responder quem vai arcar com o ajuste econômico


O PROGRAMA do próximo presidente, seja a(o) candidata(o) 13, 43, 45, 171 ou 666, é quase desconhecido, como tivemos o pesar de perceber na campanha eleitoral.
Caso não venha um segundo turno, estará eleita uma caixa-preta ou de surpresas, que, no máximo, será entreaberta até a posse. Ainda assim, convém perguntar à pessoa eleita o que fará a respeito de dois problemas econômicos ignorados na campanha, os mais gritantes, antigos e óbvios do país, os quais no entanto não deixaram de existir por serem lugares-comuns do debate.
1) Ninguém teve a coragem de dizer que vai permitir o aumento da carga tributária (total de impostos em relação ao PIB, de 33,5% em 2009, somados todos os governos). Ou o total do gasto público (37% do PIB). Difundem o subterfúgio de que o crescimento da economia, do PIB, dará conta da alta de gastos (gastar-se-ia mais, mas, com um PIB maior, a carga ficaria na mesma).
Mas a receita de impostos ou o gasto público vem crescendo mais que a economia: a carga tributária e/ou o deficit público crescem.
A receita, porém, tende a aumentar menos nos anos que vêm. O ritmo de formalização de empregos e negócios deve ser menor. Há menos a formalizar e há empecilhos para formalização adicional: burocracia e impostos demais. Logo, mantido o ritmo de alta da despesa, ou aumenta a carga ou aumenta o deficit.
Deficit se acumulam em dívidas. Dívida demais ajuda a encarecer o custo do crédito (de construir uma fábrica ou de comprar a TV de plasma). Graças à dívida de 42% do PIB e a outros problemas, o governo gasta entre 5% e 6% do PIB em juros.
É quase impossível, por motivos legais, políticos, sociais ou humanitários, cortar despesa em saúde, em educação, em assistência a pobres e em segurança. Por motivos econômicos, não se deve reduzir o já ínfimo investimento público em obras e em ciência. O grosso que sobra consiste de INSS, aposentadorias e pensões de servidores, salários do funcionalismo e juros. Talvez o peso de subsídios a empresas privadas já seja relevante para entrar nessa lista.
Quem então vai receber menos reajustes do governo?
2) O consumo das famílias, a despesa de investimento e o gasto do governo têm crescido mais que a produção, o PIB. A diferença é coberta por importações, em alta. Isso se chama deficit externo, que pode crescer até certo limite. Para que fique num limite prudente e/ou para que os excessos não resultem em inflação, é preciso reduzir o consumo privado (ruim), o investimento (péssimo) ou o gasto dos governos.
Diz-se que o câmbio, o real forte, causa o deficit externo. Que o "custo Brasil" encarece nossos produtos -mais deficit. Que há empresas nacionais ineptas. Que a China é má. Que falta investimento em tecnologia e em infraestrutura. Mas as soluções para tais problemas residem sempre na redivisão de recursos entre consumo privado, governo ou investimento, embora existam meios diversos de induzir tal repartição.
Desvalorizar o real? Reduz o consumo privado, pois em termos reais o salário perde poder de compra (e a desvalorização pode reduzir até o investimento, ao menos a princípio). Reduzir o "custo Brasil", melhorar a infraestrutura, gastar em inovação?
Demanda, em parte, mais investimento (e leis melhores). Quem gastaria menos? Governo ou famílias?

vinit@uol.com.br


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