São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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FAN GANG

A grande migração da China


A migração e a urbanização produzirão problemas e conflitos sociais, mas eles ocorreram em todo país


A PROVÍNCIA de Henan, na China, tem população cerca de 100 milhões de pessoas superior à da maioria dos países. No sistema administrativo chinês, a Província é o maior nível de autoridade abaixo do nacional, seguida por condados, áreas metropolitanas e cidades.
No entanto, uma cidade na Província de Guangdong pode facilmente ter população entre 500 mil e 1 milhão de habitantes superior à de muitas cidades fora da China. Assim, é difícil superestimar a importância das questões regionais -especialmente a disparidade entre as regiões- na política chinesa.
A China é dividida por natureza.
Entre os grandes países continentais, que incluem Índia e Brasil, apenas a China conta com uma costa relativamente curta e vastas regiões interiores. Quando o principal objeto de consumo humano era a comida, isso não era problema, porque terra e água eram o mais importante. Mas, nas modernas sociedades industriais, urbanas e de mercado, o que importa cada vez mais são os custos de transporte, e isso significa que a geografia pode causar grandes desigualdades regionais.
Ainda que essas disparidades possam, evidentemente, ter também outras causas, a geografia explica muita coisa. Primeiro, explica por que as regiões costeiras chinesas se desenvolveram mais cedo e mais rápido depois que o país lançou suas reformas de mercado e se abriu ao mundo. Não foram políticas preferenciais ou distribuição distorcida de recursos por parte do governo que levaram as cidades costeiras chinesas a florescer. Em lugar disso, a causa foi sua proximidade do oceano, que era e continua a ser a maneira mais barata de transferir recursos e produtos.
No futuro, a China pode vir a contar mais com setores que não dependem tão pesadamente de transportes, como o de alta tecnologia e o de serviços. Mas, à medida que cresce sua dependência de commodities importadas para atender suas necessidades básicas, a costa do país continuará a desfrutar de vantagem em termos de custos de transporte.
Assim, as disparidades regionais em termos de prosperidade econômica podem vir a não se estreitar jamais -de fato, podem até crescer.
Lanzhou, a capital da Província de Gansu, no oeste da China, pode jamais recuperar seu atraso com relação a Suzhou, cidade industrial bem conhecida e próxima de Xangai.
O esforço da China para promover um desenvolvimento mais equilibrado, apesar das vantagens inerentes e permanentes das regiões costeiras, toma a forma de um fluxo bilateral de capital e tráfego entre a costa e o interior. Transferências financeiras fluem da costa ao interior, por meio de alocações fiscais do governo ou outros mecanismos, a fim de melhorar a infraestrutura, que inclui os transportes. Esses investimentos podem se provar menos lucrativos do que seriam em outras regiões, mas devem ser considerados como bens públicos cujo objetivo é equalizar as condições de crescimento. O governo central da China tenta promover essa meta há dez anos, por meio de seu Programa de Desenvolvimento do Oeste.
É claro que os esforços do governo não bastam para atrair investidores industriais ao oeste, porque a infraestrutura não é capaz de superar todos os problemas. Sem estradas, não se pode transportar recursos e bens industrializados. Mesmo que existam estradas, continua sendo necessário pagar pedágio, combustível, manutenção da frota e outros custos. Mas a demora para levar à costa os bens que se deseja exportar pode chegar a cinco dias.
O outro "tráfego" pode, de certa maneira, ser ainda mais importante. Trata-se da mão de obra que flui na direção oposta, do oeste ao leste, promovendo a única igualdade econômica que um país pode atingir -a da renda per capita, não a do Produto Interno Bruto (PIB).
A boa notícia para a China é que o Plano Quinquenal para 2010/15 determina que o governo não apenas encoraje a migração interna entre regiões, mas também melhore as condições para que os moradores rurais se estabeleçam nas cidades.
É claro que a migração e a urbanização produzirão problemas e conflitos sociais. Mas eles ocorreram em todos os países que passaram pelo atual estágio de desenvolvimento da China, e esta também terá de enfrentá-los. De outra forma, o país ficará dividido para sempre.


FAN GANG é professor de economia na Universidade de Pequim e na Academia Chinesa de Ciências Sociais e membro do Comitê de Política Monetária do banco central chinês.

Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci


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