São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010

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Garimpeira fingiu ser travesti para entrar em Serra Pelada

ANDREZZA TRAJANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BOA VISTA

Para entrar no garimpo de Serra Pelada, em 1983, a paraense Marina Cantão dos Santos, então com 26 anos, prendeu o cabelo, comprou botas e roupas largas e passou a se chamar Geraldo Brandão dos Santos.
Na época, a presença de mulheres ali era proibida. Para aproveitar a corrida do ouro, ela se passou por travesti por seis meses naquele que então era considerado o maior garimpo a céu aberto do mundo, nos anos 1980.
A restrição às mulheres era feita pelos próprios garimpeiros, que achavam que a entrada delas -e também de bebidas- causaria desorganização na produção.
Marina já havia tentado trabalhar em Serra Pelada como mulher. Vendia alimentos na área limite para a presença feminina, mas desistiu no primeiro dia, após um garimpeiro pedir a ela que sentasse em seu colo.
No dia seguinte, conheceu um homem chamado Victor Hugo, que representava os travestis em Serra Pelada. Ele levava o corpo de um deles, que havia morrido de pneumonia no garimpo.
"Foi quando tive a ideia de entrar me passando por travesti. Pedi a carteira do garimpeiro do morto, coloquei uma foto minha por cima e passei a me chamar Geraldo Brandão dos Santos."

MEDO
Lá, montou um restaurante. Com medo de ser descoberta, mal saía. Contratou cinco travestis para o estabelecimento, mas nunca disse a eles que era mulher.
"Morria de medo. Dormia com Victor Hugo. Achavam que éramos namorados."
Chegou a atuar no garimpo, "lavrando terra" -trabalho com o uso de peneira- nos fundos do restaurante. Seis meses depois, com a permissão ao ingresso de mulheres, entregou a carteira de Geraldo para a cooperativa de garimpeiros e fez a sua, que guarda como troféu.
Marina saiu de Serra Pelada em 1987, traumatizada com a morte de um grupo de garimpeiros por soterramento. Foi para a reserva indígena Ianomâmi, em Roraima.
Teve que fugir dali depois que seu garimpo invadiu o território venezuelano. Ficou 18 dias na mata com um grupo e passou mais 20 dias sozinha. Com fome, diz que comeu até seus documentos.
Foi salva por garimpeiros venezuelanos e retornou ao Brasil. Em Roraima há mais de 20 anos, ela é hoje, aos 53 anos, dona de um restaurante em Boa Vista.
Diz que é uma empreendedora, mas não fugiu à regra do garimpo: não fez patrimônio e gastou o ouro com "roupa, viagens e amigos".


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