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Garimpeira fingiu ser travesti para entrar em Serra Pelada
ANDREZZA TRAJANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BOA VISTA
Para entrar no garimpo de
Serra Pelada, em 1983, a paraense Marina Cantão dos
Santos, então com 26 anos,
prendeu o cabelo, comprou
botas e roupas largas e passou a se chamar Geraldo
Brandão dos Santos.
Na época, a presença de
mulheres ali era proibida. Para aproveitar a corrida do ouro, ela se passou por travesti
por seis meses naquele que
então era considerado o
maior garimpo a céu aberto
do mundo, nos anos 1980.
A restrição às mulheres era
feita pelos próprios garimpeiros, que achavam que a
entrada delas -e também de
bebidas- causaria desorganização na produção.
Marina já havia tentado
trabalhar em Serra Pelada
como mulher. Vendia alimentos na área limite para a
presença feminina, mas desistiu no primeiro dia, após
um garimpeiro pedir a ela
que sentasse em seu colo.
No dia seguinte, conheceu
um homem chamado Victor
Hugo, que representava os
travestis em Serra Pelada. Ele
levava o corpo de um deles,
que havia morrido de pneumonia no garimpo.
"Foi quando tive a ideia de
entrar me passando por travesti. Pedi a carteira do garimpeiro do morto, coloquei
uma foto minha por cima e
passei a me chamar Geraldo
Brandão dos Santos."
MEDO
Lá, montou um restaurante. Com medo de ser descoberta, mal saía. Contratou
cinco travestis para o estabelecimento, mas nunca disse a
eles que era mulher.
"Morria de medo. Dormia
com Victor Hugo. Achavam
que éramos namorados."
Chegou a atuar no garimpo, "lavrando terra" -trabalho com o uso de peneira-
nos fundos do restaurante.
Seis meses depois, com a permissão ao ingresso de mulheres, entregou a carteira de
Geraldo para a cooperativa
de garimpeiros e fez a sua,
que guarda como troféu.
Marina saiu de Serra Pelada em 1987, traumatizada
com a morte de um grupo de
garimpeiros por soterramento. Foi para a reserva indígena Ianomâmi, em Roraima.
Teve que fugir dali depois
que seu garimpo invadiu o
território venezuelano. Ficou
18 dias na mata com um grupo e passou mais 20 dias sozinha. Com fome, diz que comeu até seus documentos.
Foi salva por garimpeiros
venezuelanos e retornou ao
Brasil. Em Roraima há mais
de 20 anos, ela é hoje, aos 53
anos, dona de um restaurante em Boa Vista.
Diz que é uma empreendedora, mas não fugiu à regra
do garimpo: não fez patrimônio e gastou o ouro com "roupa, viagens e amigos".
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