São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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FAN CHANG

Atenas, China


Na China, as autoridades temem que os governos locais criem uma "crise grega" para o resto do país


ENQUANTO algumas partes do mundo enfrentam as consequências da crise financeira ou crises crescentes de dívida soberana, a China está diante do risco de superaquecimento ou de uma bolha de ativos.
Muitos fatores podem estar propelindo a economia da China nessa direção. Um dos mais preocupantes é o mesmo que alimentou a atual crise na zona do euro: a disparada da dívida pública. Ali, o problema é a dívida soberana dos governos nacionais; na China, o problema está na captação dos governos locais.
Na zona do euro, um sistema inchado de serviço social e a desaceleração econômica causada pela crise financeira são componentes essenciais do problema de dívida estrutural. Na China, os governos locais ampliaram sua captação a fim de garantir que os índices de crescimento em suas regiões continuem na casa dos dois dígitos.
Para evitar uma "crise de dívida soberana" interna, a lei orçamentária chinesa, adotada em 1994, proíbe governos locais de conduzir captação autônoma. Em teoria, isso significa que os governos locais não podem bancar seus deficit por meio do aumento de seu nível de dívida, porque só podem realizar captação no banco central ou com outras autoridades centrais do país.
Mas a lei orçamentária não eliminou o problema. Embora os governos locais não possam realizar captação, companhias de investimento estatais sob controle local estão autorizadas a fazê-lo. Assim, não surpreende que um grande volume de empréstimos bancários tenha fluído pelas agências locais de bancos estatais e sido encaminhado ao financiamento de projetos locais de investimento público.
Essas operações de captação resultaram em alta nos índices de inadimplência no começo e na metade dos anos 90, quando o montante de empréstimos bancários não pagos na China chegou a atingir 40% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso causou uma compressão de crédito e a prolongada deflação do final dos anos 90, enquanto o governo central tentava consertar os estragos.
Devido à privatização de estatais e ao avanço da regulamentação financeira, o que inclui a fiscalização dos bancos e o controle de riscos, de 2000 para cá os orçamentos locais e o central chineses estão basicamente em bom estado. A relação entre dívida pública total e o PIB era de menos de 22% em 2007/8, antes da crise financeira mundial.
Com a crise, o banco central adotou medidas de estímulo fiscal e relaxamento da política monetária. Os governos locais foram encorajados a elevar seus gastos com projetos públicos de infraestrutura. Como resultado, o volume de créditos bancários destinados ao financiamento de investimentos locais cresceu 600% apenas em 2009.
A captação total pelos governos locais agora equivale a quase US$ 900 bilhões, ante US$ 150 bilhões um ano antes, ou quase 20% do PIB. As autoridades chinesas estão extraindo lições dessa pesada dívida e temem a perspectiva de que os governos locais venham a criar uma "crise grega" para o restante da China. As autoridades reconhecem a necessidade de disciplina fiscal e regulamentação financeira severas.
O nível de endividamento de qualquer entidade pública deve ser monitorado, fiscalizado e contido.
A atual estrutura legal da China contribuiu para o equilíbrio fiscal e a estabilidade financeira no passado e continua a desempenhar papel positivo. De outra forma, a China já poderia ter experimentado sua "crise de dívida soberana" em escala local, acompanhada possivelmente por hiperinflação.
Mas, quando obter financiamento por meio de captação é proibido aos governos locais, eles buscam outros caminhos. Por exemplo, tentam obter a maior arrecadação possível com a venda de terras, o que eleva os preços dos imóveis e ajuda a criar bolhas de ativos.
Dadas as consequências negativas dessa abordagem, seria sábio que o governo central considerasse a possibilidade de estabelecer, em curto prazo, cotas ou limites para a captação total dos governos locais. No entanto, no longo prazo, a estabilidade fiscal e financeira da China só poderá ser garantida por uma reforma institucional sistemática do relacionamento entre o governo central e os governos locais.

FAN GANG é professor de economia na Universidade de Pequim e na Academia Chinesa de Ciências Sociais. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate. Tradução de PAULO MIGLIACCI


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