São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2010

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BENJAMIN STEINBRUCH

O risco do "W"


Olhando para a titubeante recuperação mundial, seria melhor ir devagar com o andor da ortodoxia


FUI RELER na semana passada um trecho escrito pelo economista John Kenneth Galbraith, em "A Era da Incerteza", que descreve um momento crucial, quando a economia americana tentava sair da grande crise dos anos 30:
"Em 1937, a recuperação da Grande Depressão vinha morosamente a caminho; a produção e os preços subiam, embora o desemprego ainda fosse apavorante. Os homens da sensatez agora impunham seu valor. Começaram a agir no sentido de reduzir despesas, aumentar impostos e equilibrar o Orçamento federal".
"Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o Orçamento caminhava para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então o novo e horrível colapso, uma retração dentro da Depressão. Era exatamente como Keynes havia previsto. Os homens da sensatez e ponderação acabavam de provar nossa tese."
A leitura desse trecho é oportuna porque tem a ver com o que ocorre hoje na economia mundial. O alarido ortodoxo prevaleceu, por exemplo, na ultima reunião do G20, grupo dos países mais ricos do mundo e os emergentes, em Toronto. Apesar da oposição dos EUA, o bloco europeu conseguiu impor sua decisão de que os países deverão cortar seus deficit pela metade até 2013.
Foi uma péssima notícia para a recém-nascida recuperação mundial. Os cortes de gastos, naturalmente, funcionarão como freio ao movimento de retomada econômica. A Alemanha anunciou, em junho, cortes de € 80 bilhões no Orçamento em quatro anos, no maior pacote de austeridade desde a Segunda Guerra. Se o plano for colocado em prática, haverá redução de € 30 bilhões em gastos sociais e extinção de 55 mil empregos públicos.
A pergunta que os não ortodoxos fazem é se a Alemanha precisa de tanta ortodoxia. Afinal, o deficit alemão é o menor da Europa, de 3,1% em 2009 e de 5% (previsão) em 2010. Países altamente deficitários, como Espanha, Reino Unido e Grécia, precisam de cortes para buscar uma situação mais equilibrada, mas a Alemanha, não sei. Talvez deveria atuar para sustentar a recuperação da demanda num continente combalido, e não no sentido contrário.
Até porque, nos EUA, as coisas estão mudando para pior. No primeiro trimestre, a economia americana se expandiu a um ritmo anual de 2,7%.
No segundo, pelas estimativas, teria havido crescimento de 3,6%. São números muito bons, mas uma série de más notícias coloca dúvidas sobre o que vai ocorrer neste segundo semestre. O índice de confiança do consumidor americano caiu; o mercado imobiliário ruma para um novo período de desaquecimento, depois que incentivos do governo para a compra de casas foram extintos; e a economia como um todo criou apenas 13 mil empregos entre maio e junho, muito menos que os 50 mil esperados.
Até nos países emergentes, que puxaram a economia nos últimos dois anos, há claros sinais de desaquecimento, inclusive na China. Recaídas são comuns nos processos de recuperação econômica. Essas más notícias não significam, portanto, que o mundo está a caminho de uma nova recessão, que confirmaria previsões dos mais pessimistas, de que a economia faria um movimento em forma de "W". Mas, se o alarido ortodoxo, como dizia Galbraith, se tornar dominante, o risco do "W" poderá ser real.
Nada (ou pouco) pode fazer o Brasil, apesar do aumento de seu peso relativo na geopolítica internacional, para mudar o curso de decisões do G20 e das grandes potências mundiais. Mas muito se pode fazer aqui no país, preventivamente, contra um possível efeito de uma recaída global.
Virou febre, por exemplo, dizer que é hora de conter o crescimento do consumo interno, que os juros precisam subir, que o crédito está exagerado, que se deve cortar gasto público (investimentos inclusos), que a inflação vai voltar etc. etc.
Olhando para a titubeante recuperação da economia mundial e respeitando o Galbraith, seria melhor ir devagar com o andor da ortodoxia.

BENJAMIN STEINBRUCH, 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

bvictoria@psi.com.br



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Alexandre Schwartsman


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