São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

O baldinho, o Titanic e o dólar


IOF extra deve afastar urubus especulativos de curto prazo, mas contexto mundial fortalece o real


HÁ DESCRÉDITO geral na hipótese de o real se desvalorizar devido ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Mas, dado o tamanho da choradeira interessada de partes do mercado, a medida não é tão inócua assim. A dúvida é saber em relação ao que ela seria efetiva.
Ontem entrou em vigor o IOF novo sobre aplicações de "estrangeiros" em renda fixa, basicamente títulos da dívida pública com vencimento em sete e dez anos. O efeito mais imediato e inegável do aumento do IOF é que ficou menos rentável e mais arriscado aplicar no Brasil por prazos inferiores a um ano a fim de recolher o maná de juros pagos pelo governo federal. Em suma, tornou inviável o estacionamento de dinheiro por menos de nove meses.
Bancões estrangeiros dizem que, óbvio, investidores vão vender papéis brasileiros e o rendimento desses títulos vai subir. Isto é, por ora fica menos interessante comprar tais papéis. Outros gestores de capital lá fora diziam que a mera possibilidade de o governo "atuar de maneira ainda mais agressiva" deve tornar menos rentável e mais arriscada a especulação com reais. Bidu.
É, pois, certo que o custo de tomar dinheiro emprestado lá fora, tanto no caso do governo como no de empresas, deve ficar mais caro.
Mas vai continuar entrando dólar por outros canos, como Bolsa e investimento estrangeiro direto, "na produção". Outras características do mercado cambial brasileiro ainda propiciam a entrada de capitais e a "especulação" segura: o governo (BC e, agora, Tesouro) assegura mercado para os dólares e reduz a volatilidade das cotações, os bancos têm bastante liberdade para jogar o jogo do real forte etc.
Com o IOF, o governo tirou apenas um alicate da caixa de ferramentas. A fim de mexer mais no câmbio, teria de abrir a caixa inteira, inclusive fazendo um ajuste fiscal. Funciona? Há controvérsia.
O mundo rico prepara uma razia ainda maior das taxas de juros e um despejo ainda maior de dinheiro nas praças do planeta. Haverá multidões de investidores de grossa aventura à procura de qualquer pedaço de papel que renda qualquer coisa mais que zero, a taxa oferecida no mundo rico. Virão mais dólares. O real pode ficar mais forte.
O Japão ontem baixou sua taxa de juros de nada para menos nada. Em desespero, procura mais reavivar uma economia em pré-coma deflacionário do que propriamente mexer no câmbio (ou apenas no câmbio). Os povos dos mercados interpretaram a medida como o primeiro grito do segundo carnaval do "quantitative easing" (no popular, "imprimir dinheiro"), coisa que se espera ocorra nos EUA a partir de novembro, no máximo em janeiro.
Por fim, note-se que, quando o governo ressuscitou o IOF sobre "estrangeiros", em outubro de 2009, o investimento em ações era de 1,6% do PIB, e, na renda fixa, de 0,6% (no acumulado em 12 meses). Em agosto deste ano, o dinheiro para ações era 1,64% do PIB; para renda fixa, 0,94% do PIB. O BC comprou toda a sobra de dólares no mercado e mais um pouco. O dólar passou quase um ano em torno de R$ 1,72, R$ 1,73.
Poderia ter sido pior sem a intervenção do governo no câmbio? Sim, assim como o IOF de 4% deve ter algum efeito, em particular afastando urubus de curto prazo. Mas, dada a conjuntura mundial, estamos tirando água do Titanic com um balde.

vinit@uol.com.br


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