São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2010

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ANÁLISE

É preciso pôr contas em dia e câmbio no lugar

País volta à prática de conter inflação à custa de capitais especulativos; acertos devem ser feitos após eleições


NA ECONOMIA REAL, HÁ SETORES FRAGILIZADOS PELA CONCORRÊNCIA DE FORA, EMPRESAS SE DESCAPITALIZANDO E EMPREGOS SENDO TRANSFERIDOS PARA O EXTERIOR

ROBSON GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A economia brasileira vive um quadro macroeconômico surpreendente. Em termos anualizados, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu cerca de 5% no segundo trimestre e há indícios de que tenha se acelerado ainda mais.
Ao mesmo tempo, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), principal indicador de inflação no varejo, recuou. Entre julho e agosto, a inflação acumulada está próxima de zero.
Mas, afinal, onde está o excesso de demanda que causava tanta preocupação no início do ano?
Para entender esses números, é preciso olhar para as contas externas. Em 2010, passada a alta sazonal de maio, o dólar voltou aos patamares extremamente baixos do início do ano.
Desde janeiro de 2007, antes da crise, o câmbio recuou 18% em termos nominais.
Considerando também a alta do IPCA, a valorização real passa de 30%.
Não seriam números preocupantes se tivessem uma base sólida. Afinal, enquanto os países mais desenvolvidos ainda têm dificuldades para se recuperar, o Brasil mantém-se em crescimento, com inflação em baixa e forte ingresso de capitais.

PÔR A CASA EM ORDEM
É um cenário politicamente muito favorável para o governo. Em qualquer democracia do mundo, como regra, o final de mandato do Executivo não costuma ser o momento de arrumar a casa.
Mas os fundamentos desse quadro brilhante são frágeis.
Segundo o Banco Central, de janeiro a julho deste ano, ingressaram no país US$ 28 bilhões em capitais de curto prazo, atraídos pela alta da Selic.
Esse número é quatro vezes e meia maior do que os ingressos de capitais produtivos e representa alta de 210% em relação a igual período do ano passado.
Em outras palavras, estamos de volta à prática de conter inflação à custa de capitais especulativos. No curto prazo, importações baratas ajudam a complementar a oferta local e contornar os gargalos produtivos surgidos com o crescimento acelerado.
Mas, na economia real, há setores inteiros fragilizados pela concorrência externa, empresas se descapitalizando e empregos sendo transferidos para o exterior.
Passada a eleição, será a hora de colocar a casa em ordem, as contas em dia e o câmbio no lugar. Não sem dores.


ROBSON GONÇALVES é professor dos MBAs da FGV e consultor da FGV Projetos.


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