São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2010

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ENTREVISTA NEUROCIÊNCIA

Giannetti explica economia usando a fisiologia cerebral

Escritor busca também respostas filosóficas em experimentos científicos

CAROLINA MATOS
DE SÃO PAULO

Qual é a relação entre cérebro e mente e como ela determina as ações humanas? De que forma hormônios e enzimas ditam comportamentos?
A neurociência mapeia o que move uma tomada de decisão, mesmo de consumo ou investimento financeiro.
"Não há estado mental que não tenha por trás uma configuração do cérebro", diz Eduardo Giannetti, economista, filósofo e professor do Insper -Instituto de Ensino e Pesquisa. Seu novo livro, "A Ilusão da Alma", misto de romance e ensaio filosófico, convida à reflexão.
A seguir, trechos da entrevista exclusiva à Folha.

 

Mente e cérebro
Demoramos a descobrir que a Terra não é o centro do universo e que as espécies biológicas são resultado de uma evolução de bilhões de anos.
Seria surpreendente que o homem, que se enganou tanto sobre a natureza externa, não estivesse equivocado também sobre sua natureza interna. E a neurociência tem permitido descobrir aspectos da realidade humana que até hoje eram impenetráveis.
O lado mental não surge do nada. Por trás dele, há uma sofisticada neurofisiologia, que estamos começando a desvendar. A hipótese fisicalista é que o estado cerebral precede e determina o mental, e não o contrário.

Endocrinologia financeira
A neuroeconomia tem produzido experimentos no mínimo curiosos. Inclusive, em uma área chamada "endocrinologia financeira".
Pesquisadores da Universidade de Cambridge [Inglaterra] mediram a liberação de hormônios no sistema nervoso de operadores do mercado financeiro.
O estudo descobriu que os operadores que já possuíam níveis altos de testosterona [hormônio que determina um estado de ânimo eufórico] obtinham mais ganhos.
Ou seja, a liberação desse hormônio precedia, e previa estatisticamente, o bom desempenho do operador.

Decisão de compra
Outro resultado surpreendente vem de um estudo que monitorou o cérebro de consumidores por meio de ressonância magnética.
Com um orçamento em mãos, cada consumidor foi exposto a opções de compra. Apenas observando o cérebro-as áreas mais ativadas ou menos-, o cientista conseguiu prever se o consumidor iria ou não comprar determinado item.

Confiança
Também há pesquisas que submeteram os participantes à oxitocina, um hormônio ligado à confiança que temos uns nos outros.
Um teste envolvendo a divisão de dinheiro revelou que, depois da inalação da substância, o grau de propensão à generosidade [dividir a quantia de forma mais igualitária] aumentava 80%.
Aí surge um aspecto ético importante, que diz respeito às manipulações que podem ocorrer a partir do uso desse conhecimento -que é poder.

Políticas públicas
O conhecimento neurocientífico tem implicações também nas políticas públicas.
Por exemplo, na de saneamento básico.
Na primeira infância, 87% da energia metabólica do organismo é consumida pelo cérebro. No adulto, essa parcela cai para 20%. A descoberta recente é que, se a criança, na fase crítica de formação cerebral, padecer de alguma doença de parasita, isso desvia a energia que deveria ir para o cérebro.
Um país como o Brasil, em que metade dos domicílios não tem saneamento básico, provavelmente está condenando centenas de milhares de crianças a uma capacidade cognitiva prejudicada.
As políticas de segurança também sofrem implicações.
Descobriu-se que existe uma enzima cuja deficiência na produção se relaciona à propensão à violência.
Será que indivíduos com determinadas características devem ser monitorados? E poderão ser julgados? A sociedade vai ter que se proteger. Mas imputar culpa moral é algo que, provavelmente, vai ter que ser revisto.

A ILUSÃO DA ALMA
AUTOR Eduardo Giannetti
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 46 (256 págs.)


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