São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Os sujos e os mal lavados


País avançou tanto durante o governo Lula como o de FHC; oportunidades foram perdidas nas duas gestões

NA RIXA vulgar que passa por crítica na pendenga entre PT e PSDB, sujos reclamam de mal lavados. Com menos espírito de porco, é quase fácil argumentar que o país, na média, estava melhor no final do que no início dos governos FHC e Lula, apesar dos problemas arrepiantes de cada uma das duas administrações.
É muito difícil fazer o debate em termos de "ou isto ou aquilo", FHC ou Lula. Primeiro, porque se deve perguntar: o país ficou melhor para quem? Segundo, governos passam longe de controlar tudo o que se passa no país; além do mais, medidas tomadas em certo período podem ter resultados apreciáveis apenas anos depois, talvez no governo de um sucessor de oposição.
Por exemplo, governos alardeiam ter criado "x" milhões de empregos. Dizem que melhoraram a distribuição da renda do trabalho ou formalizaram mais empregos. Mas, afora o caso de cargos públicos, governos não criam empregos. Boas políticas podem favorecer o trabalho, mas demoram para fazer efeito. E quase sempre, ainda mais no caso de países periféricos como o Brasil, o sucesso depende da força e do tipo de crescimento da economia mundial.
O aumento da eficiência das empresas brasileiras, influenciado pela abertura econômica, em parte pela privatização e pela estabilização relativa da economia, induziu o aumento da renda e a melhora da distribuição da renda do trabalho.
Houve aumento de produtividade. Empresas à procura de custos menores saíram das metrópoles para o interior: sobreviveram à competição, mantiveram empregos e começaram a pagar mais em regiões mais atrasadas. Isso foi obra dos anos FHC. O resultado apareceu mais nos anos Lula.
A expansão da educação, mesmo mínima e lentérrima, melhorou a qualidade do emprego e a distribuição da renda do trabalho. Iniciativas remotamente ligadas a ações de governos, como a exigência de melhoria da governança das empresas e da Justiça do Trabalho, também favoreceram a formalização.
Os muitos economistas demófobos de FHC acreditavam, que, em qualquer contexto, aumentos do salário mínimo e das transferências sociais de renda reduzem a oferta de emprego e a formalização do trabalho. Por obra de Lula, ficou claro que isso não é verdade.
Decerto Lula só pôde induzir este aumento do consumo (da população e do governo) devido à boa situação das contas externas (graças à melhora do mercado mundial). Mas Lula aproveitou a "boa sorte" para melhorar a distribuição de renda e aumentar o antes tão ironizado "mercado de massas". Além do mais, seu governo empilhou reservas em moeda forte, o que reduziu o risco de crises e o de investir no Brasil. Lula poderia ter contido o gasto público, reduzido a dívida e, assim, baixado mais os juros. Não o fez. E o governo Lula investiu tão pouco quanto o governo FHC, pelo menos até 2009. Deve superar FHC em 2010, mas poderia ter feito mais.
Sob FHC, houve desastres (real forte demais, apagão etc.) e mais mudança institucional, o que tanto arrumou como desarrumou a cama para Lula. Sob Lula, não houve erros catastróficos, mas tampouco inovação, como se o governo fosse um motorista iniciante com medo de mudar de faixa. Enfim: mesmo retratos em preto e branco são compostos, na maioria, de tons de cinza.

vinit@uol.com.br


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