São Paulo, quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

VINICIUS TORRES FREIRE

A primeira decisão de Dilma


Presidente eleita manda leiloar trem-bala, que pode vir a ser a Ferrovia do Aço do neodesenvolvimentismo


DILMA ROUSSEFF tomou sua primeira decisão pública como presidenta-eleita-de-governo-em-transição. Praticamente mandou fazer o leilão do trem-bala no dia 29. O trem de alta velocidade vai ligar Campinas ao Rio, passando por São Paulo. Trata-se de um investimento de uns R$ 34 bilhões, R$ 20 bilhões dos quais financiáveis pelo BNDES a juro baratinho. Deve haver dois grupos na disputa do trem-bala. Um, tido como favorito, é coreano, liderado por estatais (Korail, KRNA), pela Hyundai Roten e outros conglomerados coreanos, ao qual se associariam empresas brasileiras. O outro, em tese, seria liderado por empresas chinesas, associadas a japoneses e/ou europeus. Os chineses reclamam muito das condições do negócio.
Aliás, todos os interessados reclamam de que o prazo de elaboração de propostas foi muito curto. No mais, há boato forte e muito provável da participação do governo nas conversas de formação dos consórcios, de como vai se dar a participação de empresas e fundos de pensão brasileiros etc., o de sempre nas licitações do governo Lula.
O mais importante não está na fofoca corporativa do "quem vai com quem" na disputa do leilão. Ainda não são nada convincentes os argumentos do governo para justificar o lançamento de tal obra, incentivar o desvio de recursos privados para tanto e ainda subsidiar pesadamente o negócio. Qual seria o uso alternativo desses recursos? Mistério.
O BNDES deve financiar cerca de 60% do custo do empreendimento, dinheiro que vai custar apenas a TJLP mais 1%. Ou seja, taxa real perto de zero. A empresa mista que vai construir e gerir o trem-bala (associação da estatal Etav com a vencedora do leilão) vai colocar dinheiro do Orçamento no negócio. Se não houver demanda suficiente (passageiros bastantes), haverá ajuste do fluxo de pagamentos, de prazos de carência e até abatimento de juros.
Note-se que o problema não se limita à incerteza quanto à demanda. O projeto da obra, que inexiste, é complicadíssimo. Pode haver muita surpresa nos estudos geológicos e de engenharia -muita surpresa de custo. As desapropriações podem custar mais que o previsto.
Se o negócio fosse em si bom, não precisaria de tanto amparo. Sim, por vezes, mesmo o retorno não sendo líquido e certo, pode haver interesse social ou econômico indireto em fazer a obra. É o caso? O governo diz que o negócio se sustenta (para que então subsídio?), pode incentivar a geração da própria demanda e teria efeitos colaterais positivos.
Segundo o governo, o trem-bala vai incentivar a descentralização. Isto é, haverá gente e negócios que, em vez de se instalarem em São Paulo, ficarão na região de Campinas ou de São José dos Campos graças à facilidade de transporte (a própria existência do trem geraria passageiros). Além do mais, tal reorganização dos centros populacionais tenderia a gerar desenvolvimento no caminho do trem-bala. A tecnologia e a experiência a serem absorvidas facilitarão a extensão da linha até Minas e Espírito Santo.
O argumento parece muito especulativo. Mas, deslanchada a obra, não haverá muito o que fazer a não ser esperar que todas as hipóteses otimistas do governo se confirmem. O projeto é "grande demais para voltar atrás". Uma vez enterrados os recursos lá, deve-se ir até o fim.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Coreanos devem concluir em 2014 projeto de 1994
Próximo Texto: Lucros têm forte alta no 3º trimestre
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.