São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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MARIA INÊS DOLCI

Consumidor sem meias verdades


Um exemplar do CDC para consulta nas lojas dará ao consumidor instrumentos para fazer valer seu direito

DETERGENTE sem fosfato é uma boa notícia para a vida marinha.
Pois o fosfato estimula a proliferação de algas que "roubam" o oxigênio dos peixes. Ponto para o fabricante, mas a redução do fosfato ocorreu por exigência das autoridades, embora tenha sido apresentada ao público como um desafio feito aos fornecedores.
Será que o detergente vendido aos consumidores norte-americanos tem esse ingrediente em sua fórmula, com ou sem "desafio" aos fornecedores?
Na televisão, o comercial mostra um famoso chef de cozinha preparando comida para os filhos. A mensagem: o caldo industrializado que utiliza na receita é gostoso e natural como o feito em casa. Na verdade, mais ou menos, porque não tem conservantes, certo, mas aditivos, sim.
Não é má vontade nem desejo de sempre criticar. Reclamo, com esses exemplos, da imensa disparidade de tratamento entre consumidores europeus, norte-americanos e brasileiros. A meia verdade, às vezes, é mais difícil de desnudar do que a mentira.
Se determinado avanço em um produto, que efetivamente melhore a vida das pessoas, do ambiente e dos peixes, deriva do cumprimento a uma determinação, é somente o respeito à lei. Antecipar-se à exigência seria, contudo, digno de louvores. Um caldo de carne ou de galinha sem conservantes é bem menos nocivo à saúde. Mas, se tem aditivos, chamá-lo de natural é exagerar na propaganda.
Poderíamos prosseguir com os exemplos até o final deste artigo.
Produtos ditos light que diminuem meia dúzia de calorias em relação aos originais. Bebidas totalmente artificiais associadas a exercícios físicos e qualidade de vida. Sem falar da picaretagem propriamente dita, como as promessas de rápido emagrecimento sem fechar a boca, ou de retorno da juventude com cremes e tratamentos.
Isso tudo configura desrespeito ao consumidor. Abuso do desconhecimento que a maioria tem sobre detalhes como o que seja prejudicial à saúde na fórmula de um alimento, por exemplo. Normas e exigências com relação a esses abusos são vistas como ataques à liberdade de expressão. Não são.
Países civilizados discutem e agem para evitar que crianças e jovens sejam induzidos a consumir açúcares e gorduras, pois a obesidade infantil e adolescente apavora os responsáveis pela saúde pública.
Temos defendido, reiteradamente, mudanças na relação entre fabricantes de alimentos, de produtos de limpeza e de higiene pessoal e seus consumidores. Por motivos óbvios.
A saúde começa na alimentação.
E produtos de higiene e limpeza são usados no dia a dia, com efeitos muitas vezes prejudiciais à saúde, devido a fórmulas inadequadas.
Quem cuida da família não pode ser enganado quanto ao fato de um caldo ser ou não natural. Não existe mais ou menos natural. Um produto o é ou não.
Por isso, elogio a lei que determina que as lojas tenham um exemplar do Código de Defesa do Consumidor (CDC) disponível para consulta. É importante dotar o consumidor de mais instrumentos para fazer valer seus direitos. Frequentemente, as pessoas são lesadas por desconhecer a legislação. Mas ainda temos um longo caminho à frente. Um desafio que poderia ser encampado pelo(a) novo(a) presidente da República.
Seria uma conquista e tanto se o(a) novo(a) mandatário(a) determinasse que os produtos tivessem informações sobre eventuais ameaças à saúde e o preço por quilo, litro, unidade etc. Que produtos consumidos por idosos tivessem rótulos com letras e números maiores, para facilitar a leitura. Quem nunca ajudou uma pessoa mais velha a ler o preço ou outras características de um item?
São medidas simples, mas que impactam a tal da qualidade de vida, tão apregoada por todas as empresas, hoje, como sua preocupação número um.
Em médio prazo, senhor ou senhora futuro(a) presidente, por que não exigir que produtos vendidos no Brasil tenham as mesmas condições de segurança exigidas em seus países de origem, quando as normas forem mais rigorosas lá?


MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve quinzenalmente, às segundas, nesta coluna.
Internet: mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

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