São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2011

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SILVIO MEIRA

O Brasil bem que podia ajudar


Talvez tivéssemos mais retorno simplificando o sistema empresarial do que baixando a carga tributária

Se alguém lhe disser que o Brasil está passando por um surto de empreendedorismo, acredite. Pelo menos em parte, pois há evidências muitas de que esse pode estar sendo o caso.
Aqui em Recife, no fim de semana passado, aconteceu um "Startup Weekend", um workshop entre o começo da noite de sexta-feira e a tarde de domingo, cujo propósito é partir de ideias compartilhadas pela comunidade para lançar novos empreendimentos em um fim de semana (veja em bit.ly/ujDpL8).
Havia mais de 70 candidatos a empreendedor, 10 mentores e 5 grupos de investidores. E, além de ideias interessantes, capacidade de execução.
Neste semestre, o Centro de Informática da UFPE promove uma cadeira de educação empreendedora para alunos de graduação e pós-graduação (o conteúdo está em bit.ly/EduEmp, ainda em formato blog). Eram esperados 40 alunos apareceram 120.
Depois dos primeiros exercícios, trabalhos e provas -pois empreender não é só imaginar, tem de estudar, praticar, testar, tentar e errar para aprender-, quase 80 resistem e uns 60 devem chegar ao fim da disciplina.
Eventos e cursos similares estão acontecendo em todo o país, em intensidade maior ou menor, dependendo do contexto. Talvez Recife seja um ponto fora da curva por causa do Porto Digital, sistema local de inovação de quase 200 empresas de TICs com quase 7.000 colaboradores e faturamento estimado de R$ 1 bilhão em 2011. E as oportunidades não se restringem à informática, pois há todo um Brasil -e o mundo- a refazer, e continuamente, tentando aprender mais rápido do que a competição.
Mas uma realidade tem de ser enfrentada pelos que querem empreender por aqui: acaba de sair o relatório "Doing Business 2012", do Banco Mundial e do IFC (veja no link bit.ly/qT84lQ), uma avaliação das condições de começar, evoluir e terminar um negócio em 183 países.
A correlação entre esse ranking e outros, de competitividade internacional de países e regiões, é muito alta. E o Brasil, em relação ao ano passado, caiu seis posições, mais do que o Iraque, que regrediu "apenas" cinco posições: estamos em 126º lugar, logo abaixo da Bósnia, da Suazilândia e de Uganda.
Para ter uma ideia da nossa situação, o tempo para criar uma empresa nos outros Brics é um mês; no Brasil, são quatro meses. Se aqui é necessário mais de uma dúzia de procedimentos para abrir um negócio, na Nova Zelândia, referência mundial, é apenas um procedimento, que leva um dia. Lá, um dia. Aqui, quatro meses. Na vizinhança geoeconômica, o Mercosul, a Argentina está em 113º lugar, o Paraguai, em 102º, e o Uruguai, em 90°, e evoluiu 12 posições em um ano.
Nosso empreendedor tem de investir parte considerável de seu tempo, de energia e de recursos para vencer as complicações burocráticas, fiscais e cartoriais nacionais para criar e manter um negócio. Isso trabalha contra, e muito, a viabilidade de negócios de classe mundial baseados no Brasil, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia.
Em TICs, por exemplo, apesar de sétimo maior mercado do mundo, somos um "mercado interno" e não há correspondência entre o porte do nosso consumo e a presença de empresas brasileiras no mercado mundial.
Todos concordam que nossa carga tributária e nossos juros são exorbitantes. Mas o "Doing Business 2010" mostra que deveríamos rever, especialmente, a grande complicação nacional: esforço, recursos e tempo que perdemos, em tempos digitais, para criar e para manter empresas, por causa de relíquias processuais que são mais que analógicas, são ilógicas.
É bem possível que tivéssemos mais retorno simplificando os processos e sistemas que afetam a vida empreendedora e empresarial em vez de tentar baixar a carga tributária -possibilidade muito remota no cenário atual.
As próximas décadas serão de muita inovação em todo o planeta. Aqui, temos muitas competências e muita energia empreendedora. E o Brasil bem que podia ajudar.

SILVIO MEIRA, 55, fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br , escreve a cada quatro semanas nesta coluna.

@srlm

AMANHÃ EM MERCADO:
Rodolfo Landim




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