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Clóvis Rossi A praça é do povo. E das mulheres Revoluções árabes só triunfarão de verdade se as mulheres tiverem o seu lugar respeitado Agigantou-se na sexta-feira o anão machista que habita a alma até dos homens mais corretos: a secção francesa da ONG Repórteres sem Fronteiras emitiu comunicado pedindo aos meios de comunicação que parassem, por um tempo, de enviar jornalistas mulheres para cobrir a situação no Egito. Era uma reação às violências sexuais sofridas por duas jornalistas, uma na já legendária praça Tahrir e a outra em mãos das forças de segurança. A RSF é valiosa na defesa dos jornalistas, mas a reação do seu braço francês foi torpe. Coube a Lindsey Hilsum, editora internacional do Canal 4 britânico, repor as coisas em seu lugar, em nota à ONG e em declarações ao "Guardian": "Lutamos por décadas como mulheres jornalistas para conseguir que nossos editores nos tratassem como iguais. Não entendo como uma organização dedicada à liberdade de imprensa pode recomendar uma discriminação como essa. Acosso sexual ou ataque é inegavelmente um problema, absolutamente horrível, mas isso não significa que as mulheres devam ser intimidadas a não fazer reportagens em situações difíceis. Jornalistas homens tem sido atacados e mortos nas revoltas [árabes] deste ano, mas não ouvimos apelos para que eles deixem os locais onde trabalham." Bingo, Lindsey. O problema no Egito e nos países árabes em revolta é exatamente o inverso de "o lugar da mulher é em casa", implícito no apelo da RSF-França, depois retirado de sua página na internet. Ou a mulher afirma a sua presença na praça pública e, de modo mais abrangente, na política ou vai-se cair nos infelizes extremos apontados ontem na Folha pelo colunista Hélio Schwartsman: ditadura ou teocracia. Explico melhor: nos dois países árabes em que houve eleições após a onda de revoltas (Tunísia e Marrocos), ganharam partidos islâmicos, tidos como moderados. Com maioria relativa, mas ganharam. Se prevalecer a ideia de que a mulher é um bibelô a ser preservado, prevalecerá também a interpretação mais obscurantista do Islã, segundo a qual a mulher é propriedade do homem, e não ator com vontade própria. Essa desgraçada cultura impregna ainda o mundo todo, a ponto de exigir um Dia Internacional contra a Violência de Gênero, transcorrido justamente na sexta-feira da nota da RSF-França. No mundo árabe, essa (in)cultura é mais forte, exatamente pelo ranço da interpretação radical do Corão. O "Guardian" ouviu Rebecca Chiao, que dirige no Egito uma entidade que mapeia a violência contra as mulheres. Rebecca contou que pesquisa de 2008 mostrou que 83% das mulheres consultadas relataram acosso sexual, três quartos delas usando o véu islâmico. E 98% das estrangeiras disseram ter sido intimidadas ou bolinadas. O problema, portanto, está longe de ser enviar ou não mulheres jornalistas à praça Tahrir. Está em conseguir uma transição para democracias, nas quais partidos islâmicos serão inexoravelmente relevantes, de tal forma que as mulheres possam ir a toda parte, aos palácios de governo inclusive, sem medo e sem discriminação. Só assim as revoluções triunfarão de verdade. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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