Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Clóvis Rossi

Europa, entre sangue e bom senso

O projeto "Merkozy" parece ter alguma chance de provocar uma pausa na crise econômica europeia

O plano franco-alemão aprovado ontem pelo presidente Nicolas Sarkozy e pela chanceler Angela Merkel tem, desta vez, chances de ao menos amainar a crise europeia, porque contém dois ingredientes básicos: oferece aos mercados o sangue que eles cobram, ao lado de uma pitada indispensável de sentido comum.

Primeiro, o sangue: Merkel acabou deixando de lado sua luterana desconfiança nos mercados financeiros e cedeu à proposta de Sarkozy de isentar a banca de participação nos futuros resgates de países europeus encalacrados em dívidas.

Não é justo porque, primeiro, grande parte do endividamento de países como Espanha e Irlanda, por exemplo, se deveu ao auxílio que concederam ao setor privado para evitar o derretimento.

No caso da Irlanda, a banca é que sugou a esmagadora maioria dos recursos. Além disso, o sistema financeiro fez empréstimos de forma irresponsável a governos igualmente irresponsáveis no endividamento (caso da Grécia).

Por ambas as razões, seria justo que o sistema financeiro arcasse com parte dos custos da crise.

Mas quem disse que a economia mundial, particularmente nos dias que correm, tem algo a ver com justiça? Tem a ver, exclusivamente, com poder -como é histórico, de resto.

Só que o poder nos últimos anos ficou com o sistema financeiro e é ele que está sufocando países do porte de Itália e Espanha, cobrando juros obscenos para rolar suas dívidas, com o que minimizam suas eventuais perdas em caso de calote.

A segunda gota vem de um corolário implícito, mas não explicitado no acordo "Merkozy": o Banco Central Europeu comprará em massa os papéis dos países encalacrados. Com isso, os mercados podem continuar puxando para cima os juros, sem levar à quebra os países-vítimas, pois eles contarão com dinheiro público (do BCE) e, portanto, não precisarão operar no mercado privado.

Que, com isso, se privatize o lucro e se socialize o prejuízo é outra história, para outro momento.

Sangue à parte, passemos ao sentido comum: parece correta a ideia de uma "união fiscal", como a Alemanha gosta de dizer. Países que usam moeda comum não podem gastá-la sem regras também comuns.

Na prática, o que vai ocorrer, ao menos no primeiro momento, é que todos os países que aceitarem aderir à união fiscal ficarão com seus Orçamentos sob intervenção da Alemanha, exercida, é verdade, por interposta entidade, ainda a definir mais precisamente. E haverá punições supostamente rígidas e supostamente imediatas para quem não cumprir as regras.

Como ninguém tem interesse em esticar a corda ainda mais, talvez todos acreditem na rigidez e esqueçam que, entre 2000 e 2007, os limites para endividamento e para déficit dos países europeus foram violados mais de cem vezes, sendo 14 vezes pela austera Alemanha e outras tantas por sua parceira França. Ninguém nunca foi punido.

Nesse ambiente sufocante, talvez a cúpula europeia de sexta seja de fato decisiva, por mais que os europeus tenham se especializado em não perder a oportunidade de perder oportunidades, como se dizia antigamente dos árabes.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO

Mark Weisbrot

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.