Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Abismo judaico

Diferenças entre ultraortodoxos e os demais cidadãos israelenses geram temor de ruptura social

Oded Balilty - 26.dez.2011/Associated Press
Ultraortodoxo e menina dividem parada de ônibus em Beit Shemesh, palco de protestos antissegregação
Ultraortodoxo e menina dividem parada de ônibus em Beit Shemesh, palco de protestos antissegregação

ISABEL FLECK
de são paulo

De um lado, uma garotinha de oito anos chora de medo após ter sido assediada a caminho da escola por judeus ultraortodoxos que consideram suas roupas impróprias.

Do outro, um menino haredi (ultraortodoxo), aparentemente da mesma idade, que protesta contra a perseguição à sua comunidade enfiado em um uniforme de campo de concentração nazista.

As duas imagens chocaram Israel e ganharam o mundo, expondo o profundo abismo que se formou entre os mais radicais judeus, cerca de 10% da população do país, e o restante dos israelenses, religiosos ou seculares.

O estopim foi o assédio dos radicais para garantir a separação entre homens e mulheres em espaços públicos.

A pequena judia Naama Margolese virou ícone, assim como Tanya Rosenbilt, que não aceitou sentar no banco de trás de um ônibus, como seria próprio a uma mulher, na visão de radicais judeus.

Muitos ultraortodoxos consideraram exagerada as reações contra eles. Inclusive a do primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, que foi à TV condenar extremismo, embora seja apoiado por partidos com presença de ultraortodoxos, como Torá Unida e Shas.

"Há definitivamente uma campanha nacional contra os ultraortodoxos", afirma o haredi Mordecai Plaut, 60, morador de Jerusalém e diretor do site ultraortodoxo chareidi.org. Ele, porém, não acha que seja orquestrada "por alguém com motivos nefastos".

Assim como a maioria dos haredim (forma plural de haredi), ele condena o que ocorreu com a menina Naama na cidade de Beit Shemesh, mas sustenta a demanda por separação entre sexos opostos nos espaços públicos.

"O Talmud [livro das leis judaicas] diz que sexos opostos não devem estar juntos em contextos públicos. Não é uma honra maior estar na frente do ônibus. A principal questão é a separação", disse à Folha, por e-mail.

MODERAÇÃO

Os ultraortodoxos seguem à risca sua interpretação do Talmud e da Torá, livro sagrado. Defendem moderação ao agir e se vestir, o que significa para as mulheres usar saias abaixo dos joelhos e camisas que cubram os cotovelos e com golas rentes ao pescoço.

As casadas devem esconder também os cabelos -às vezes, até com perucas.

Para não terem despertados pensamentos "impuros", os haredim mais radicais não admitem ouvir mulheres cantando, muito menos dançando.

Esse seria um dos motivos pelos quais o rabino-chefe da Força Aérea, Moshe Ravad, abandonou, nesta semana, um programa de integração dos ultraortodoxos às Forças Armadas.

A inclusão dos haredim levou à revisão das regras internas, o que poderá proibir militares mulheres de cantar em cerimônias oficiais.

Essa não seria a primeira concessão que os haredim conseguem. Segundo o "Haaretz", a empresa de cartões Isracard vetou modelos mulheres de suas propagandas em outdoors de Jerusalém.

Porém, segundo Plaut, os haredim não querem mudanças políticas.

"Pedimos para sermos deixados sozinhos para levarmos nossas vidas, andar em ônibus como preferirmos. Nunca buscamos expandir o status quo religioso, tal como acordado pelos fundadores do Estado de Israel."

Contudo, para muitos, as concessões feitas por David Ben Gurion, fundador de Israel, aos ultraortodoxos são o cerne do problema.

Desde então, ficou acordado que os haredim poderiam ser dispensados do serviço militar -obrigatório para homens e mulheres- para continuar seus estudos religiosos.

Muitos recebem pensões e são isentos de impostos, o que já gerava revolta entre os seculares antes do caso Naama.

"O sonho secular é de que Israel seja um país como qualquer outro, e os haredim, ao tentarem segurar a tradição judaica, os incomodam", avalia Avi Shafran, 57, do grupo ultraortodoxo Agudath Israel of America, de Nova York.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.