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Clóvis Rossi

A praça Tahrir perdeu a inocência

Esse estranho bicho chamado democracia é inspirador, mas também turbulento e imprevisível

A revolução egípcia foi bonita demais para perdurar como começou. Vamos combinar que é uma bela proeza derrubar uma ditadura de 30 anos em apenas 18 dias de manifestações essencialmente pacíficas.

A violência ficou a cargo do aparato repressivo, fora um ou outro episódio pontual de agressões como as que sofreram jornalistas na praça Tahrir. Não é de agora que blogueiros e analistas internacionais têm apontado a mudança de ambiente na praça. Antes, era uma grande festa. Recentemente, exala rancor.

Era de esperar que a festa acabasse. Como escreveu para o "New York Times" Catherine Ashton, a responsável europeia por política externa, "democracia -em toda parte- pode ser estranha: instigante, inspiradora e libertadora, mas também confusa, turbulenta e imprevisível". Uma descrição apta da transição egípcia: de instigante, inspiradora e libertadora no ano passado passou a confusa, turbulenta e imprevisível agora.

Asef Bayat, professor de Sociologia e de Estudos do Oriente Médio na Universidade de Illinois, aponta a causa básica da turbulência, em entrevista para o sítio "Egito Independente": "O problema é que, até agora, aqueles que fizeram a revolução não estão no poder".

Refere-se à massa de manifestantes que se mobilizaram pelas redes sociais. Foram capazes de destronar Hosni Mubarak, mas, prossegue Bayat, "um significativo número de instituições do velho regime -os militares, alguns setores da mídia, o aparato de segurança etc.- continuam a exercer poder" e a atuar com "arrogância como se nada tivesse mudado".

Reforça Yezid Sayigh, pesquisador do Centro para o Oriente Médio do Instituto Carnegie para a Paz Mundial: "O Conselho Supremo das Forças Armadas deseja assegurar seus próprios interesses e privilégios no futuro". Mais precisamente: quer assegurar a continuidade da assistência militar norte-americana (US$ 1,3 bilhão por ano), que poderia ser cortada se o novo Egito rompesse o tratado de paz com Israel, o inoxidável aliado dos EUA.

Acrescenta Sayigh: "Os militares dirigem um bom número de empresas e negócios sobre os quais não prestam contas e têm outros tipos de fundos discricionários e fluxos de renda, os quais querem manter não transparentes para os civis".

À essa disputa entre a praça Tahrir e os militares há que acrescentar um novo velho elemento, a Irmandade Muçulmana. Criada em 1928, foi sistematicamente reprimida, mas, com a revolução, conseguiu ganhar as eleições parlamentares, graças à sua implantação em todo o país.

Ricard González, enviado especial de "El País", diz que a Irmandade "tem a legitimidade e a capacidade de alterar o equilíbrio de forças entre Tahrir e a Junta [Militar]. Até agora, tem preferido apoiar o calendário castrense [eleição presidencial em maio], mas a pressão popular poderia forçá-la a reconsiderar sua posição".

Tudo somado, é indispensável voltar à avaliação de Catherine Ashton, que, aliás, estará segunda e terça no Brasil: a transição egípcia entrou realmente numa fase confusa e turbulenta, o que torna o desfecho absolutamente imprevisível.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Rubens Ricupero

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