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Quero ser britânico

Moradores das ilhas Malvinas (Falklands) se espelham na terra da rainha e temem nova invasão argentina no aniversário de 30 anos da guerra

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL ÀS ILHAS MALVINAS

"Nas ilhas Falklands não há ovos de galinha." A constatação de Michelle Clifford, repórter da Sky News britânica, feita no ar na semana passada, causou revolta entre os habitantes do arquipélago.

No dia seguinte, Clifford recebeu em seu hotel, em Stanley (capital do território), um pacote de ovos, doação de um morador inconformado com a má publicidade que a reportagem causara.

A jornalista inglesa contou então à Folha que, nos dias seguintes, pessoas a abordaram na rua oferecendo seus poucos ovos.

O episódio é exemplar para entender o comportamento dos "kelpers" (nascidos nas ilhas Malvinas, Falklands para os britânicos) nos dias de hoje.

Acuados por novas ameaças do governo argentino, que voltou a reivindicar com contundência o arquipélago, os ilhéus fazem muito esforço para demonstrar que são felizes com o atual status das Falklands -o de um território britânico de ultramar- mesmo que o isolamento do resto do continente cause a falta de vários produtos.

Desde dezembro, países do Mercosul resolveram barrar a passagem de barcos com a bandeira das Falklands em seus portos, em solidariedade ao governo argentino.

Os "kelpers" temem que a medida logo se transforme num bloqueio econômico. Enquanto isso, a tensão entre Argentina e Reino Unido segue crescendo às vésperas do aniversário de 30 anos da Guerra das Malvinas, em abril, na qual os argentinos foram derrotados.

A Folha permaneceu uma semana no arquipélago, tempo mínimo entre um voo e outro da única via de comunicação das Malvinas com o continente latino-americano, que faz o trajeto Santiago-Punta Arenas-Stanley.

Nesse período, não encontrou nenhum habitante que tenha manifestado simpatia pela ideia de as ilhas serem devolvidas à Argentina.

AUTODETERMINAÇÃO

"Nós queremos ser britânicos. E, se quiséssemos ser chineses, os argentinos teriam de aceitar", diz o escritor John Fowler.

O princípio da autodeterminação é algo do qual os ilhéus não abrem mão. "Por que não nos deixam em paz? Os argentinos não cuidam bem nem de seu próprio país, o que querem aqui?", diz a holandesa Syla Watts, casada com um nativo das Falklands.

Hoje, vivem nas ilhas 3.200 pessoas, quase todos com cidadania britânica. Em sua maioria são ingleses, escoceses e nascidos nas ilhas. Também moram lá cerca de 200 chilenos e 25 argentinos.

"É uma terra que oferece muita coisa aos recém-chegados. Ganho aqui um salário que nunca teria no Chile fazendo as mesmas coisas", diz Alex Olmedo, chef e dono de um hotel em Stanley.

Os adultos, em geral, têm uma visão mais equilibrada e pedem um maior diálogo com os países da região.

"Não somos nós quem fechamos as portas, queremos ter boas relações com nossos vizinhos. Ia ser muito bom para as ilhas se o Brasil se tornasse um parceiro, por exemplo", diz Barry Elsby, médico e membro da Assembleia Legislativa local.

MILÍCIA INFORMAL

Os jovens, porém, pensam diferente. Daniel Biggs, que nasceu um ano depois da guerra, integra a guarda civil das Falklands, milícia informal de defesa das ilhas.

"Eles nos invadiram uma vez, não dá para confiar, temos de seguir vigilantes", diz. Entre os ainda mais jovens, a agressividade aumenta.

Numa visita a um campo de futebol onde se reúne no fim do dia um grupo de garotos, os "argies" (como chamam os argentinos) foram chamados de "invasores" e "fascistas". Os meninos não quiseram revelar suas identidades.

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