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Minha história - Shohreh Pirani, 32

Mortes sob encomenda

Viúva de cientista iraniano assassinado no ano passado acusa serviço secreto de Israel; seu marido estaria envolvido com o controverso programa nuclear do Irã, o que ela nega

SAMY ADGHIRNI
DE TEERÃ

Resumo

O engenheiro elétrico iraniano Darioush Rezaeinejad, 35, morreu assassinado a tiros na frente da mulher e da filha de quatro anos em julho do ano passado. Foi o terceiro cientista executado em meio a suspeitas de sabotagem contra o programa nuclear do país.

O regime enxerga a mão do Mossad, serviço secreto israelense, que não confirma nem desmente.

O Irã mantém à distância da mídia as famílias das vítimas. Na semana passada, a Folha e o jornal espanhol "La Vanguardia" puderam conversar com a viúva de Rezaeinejad, a cientista política Shohreh Pirani, 32, na primeira entrevista concedida a um veículo ocidental.

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Meu marido vinha recebendo ameaças por telefone havia alguns anos. Ele às vezes dizia que pessoas o seguiam, de carro ou a pé, mas não entrava em detalhes para não nos deixar preocupadas, eu e Armita, a filhinha que ele tanto amava.

Numa tarde de julho, por volta das 16h, estávamos os três no carro chegando em casa quando ele reparou que havia um homem suspeito na entrada do condomínio onde morávamos, num bairro residencial a nordeste de Teerã.

O sujeito usava óculos escuros enormes e uma barba que parecia falsa de tão grossa. Minha filha diz que ele também usava um chapéu e um ponto de ouvido.

Ele se aproximou com muita calma. De repente, puxou uma pistola e atirou seis vezes à queima-roupa no meu marido, que estava ao volante e caiu sobre mim.

Saí correndo do carro atrás do atirador que ia fugindo, mas ele se virou e disparou contra mim antes de pular na garupa de uma moto pilotada por outro sujeito. Um tiro atingiu meu braço esquerdo.

Ele ainda respirou por 30 minutos, mas não resistiu.

Tudo isso aconteceu diante da Armita. Ela está desde então sob intenso tratamento psicológico. A terapeuta diz que desenhar e pintar tem tido um efeito benéfico. Minha filha entregou um desenho ao líder supremo [aiatolá Ali Khamenei] quando ele veio nos visitar em casa para prestar solidariedade.

Armita é tão inteligente quanto o pai e agora infelizmente está começando a entender coisas como armas, morte e terrorismo.

Não há dúvida de que os terroristas eram agentes do Mossad. Tudo havia sido perfeitamente planejado. Eles conheciam nossos hábitos e horários.

Eu não entendia tudo a respeito do trabalho do meu marido, eram coisas muito técnicas. Mas ele não integrava o programa nuclear nem tinha atividades políticas.

Era apenas um pesquisador em engenharia elétrica apaixonado pela profissão, um gênio que sempre foi o melhor aluno.

Meu marido foi assassinado simplesmente porque era um cidadão dedicado à sua pátria.

Por que o Ocidente não condena esses atos terroristas por parte de Israel? Por que querem impedir o Irã de se beneficiar do seu direito de ter um programa nuclear enquanto o regime sionista tem 200 bombas atômicas?

Às vezes, ouço que meu marido deveria ter pedido guarda-costas depois das primeiras ameaças. Mas não tem sentido colocar um segurança para acompanhar cada cientista. Além disso, andar com guarda-costas não adiantou nada para o dr. Majid Shahriari [cientista assassinado em 2010].

Fiquei mais próxima das famílias dos outros cientistas assassinados. Nos vemos ocasionalmente para darmos suporte umas às outras. Nossas crianças ficaram amigas.

Recebo uma pensão e aos poucos quero retomar atividades acadêmicas. Mas tudo tem sido muito duro. Perdi a pessoa que mais amava, cinco dias após nosso aniversário de 11 anos de casamento.

Apesar de tudo, não busco nenhum tipo de vingança ou represália. Seria contra tudo aquilo que meu marido sempre ensinou à Armita. Pouco antes de morrer, ele lia pra ela um livro infantil que dizia: "negocie, não brigue".

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