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Clóvis Rossi

O eleitor vota, a banca governa

Cedo ou tarde, os governos, não só o espanhol, vão ter que escolher entre os eleitores e a banca

Era uma vez a definição de democracia como "governo do povo, pelo povo e para o povo". Acho que você nem se lembra mais dessa definição, tanto tempo faz que o tal de povo é chamado apenas a dar seu voto, mas apita muito pouco nas políticas que o governo de turno seguirá.

Agora, o governo é da banca, para a banca, pela banca. Pelo menos é o que confessou, candidamente, Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, em uma reunião do Comitê Executivo de seu Partido Popular, conforme relato de "El País".

Rajoy justificou o Orçamento que acaba de apresentar, de longe o mais restritivo dos 35 anos de história da democracia espanhola, como "um sinal para os bancos". Ou seja, não é ao eleitor que o governo responde, mas à banca.

Afinal, como explicou Rajoy, "se não te emprestam, não podes gastar; e, se não podes devolver [o dinheiro tomado emprestado], todo mundo sabe o que acontece".

Não é uma explicação descabelada. É a explicitação de uma chantagem: ou os governos arrancam a pele de seus cidadãos para poder pagar à banca, ou são vítimas do mesmo esquema que quebrou as pernas, a espinha dorsal e tudo o mais de Grécia e Portugal.

O Orçamento recém-apresentado pelo governo espanhol é exemplar: prevê gastar mais (€ 29,2 bilhões ou R$ 70 bilhões) para pagar os juros da dívida neste ano do que com o seguro-desemprego, para não deixar a incrível massa de desempregados morrer de fome (€ 28,5 bilhões ou R$ 68,5 bilhões).

Atenção, no Brasil é até pior: no ano passado, a economia do governo para pagar a dívida foi o equivalente a 5,72% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de riquezas), ao passo que o Bolsa Família consumiu só 0,4% do PIB. E ainda tem gente que vive falando que o Brasil está promovendo distribuição de renda. Só se for de todos nós, contribuintes, para os ricos que detêm os títulos do governo.

Volto à Espanha: pelo menos funciona essa rendição incondicional à banca? Não. Ontem mesmo, o país pôs títulos no mercado pagando juros mais altos que em março, antes da divulgação do Orçamento escorchante. Deu crise nos mercados, que se comportam como piranhas: caiu uma gotinha de sangue n'água e lá vêm elas ávidas por mais.

Se não aplaca a fúria dos mercados, o arrocho tampouco satisfaz o eleitor. Prova: entre a eleição geral de 20 de novembro e a eleição regional na Andaluzia em 25 de março, o PP de Rajoy perdeu 430 mil votos naquela área do sul espanhol.

Foi até o mais votado, isoladamente, mas a união das oposições (socialistas e Esquerda Unida) tende a fazer com que o poder permaneça com a esquerda, como ocorre há 30 anos.

Qual é a graça, então, de dar um "sinal" para a banca, se esta exige outros e mais outros, como se vê da reação dos mercados ontem, e se o eleitor entende que o sinal acaba arrasando ainda mais uma economia que já vem mal das pernas, apesar de o governo anterior também ter emitido "sinais" parecidos, que, de resto, custaram aos socialistas uma surra histórica?

Cedo ou tarde, os governos, não só o espanhol, terão que escolher entre o eleitor e a banca.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM 'MUNDO'
Moisés Naím

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