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Clóvis Rossi

Grandes democracias, grande omissão

Obama e Dilma conseguem não dizer uma palavra sobre a carnificina que está em curso na Síria

Reuniram-se ontem em Washington os líderes das duas grandes democracias do hemisfério ocidental. Não pareceram nem líderes nem condutores de democracias, pelo inacreditável silêncio em torno do caso da Síria, o mais agudo problema do momento na cena internacional, na qual tanto Barack Obama como Dilma Rousseff deveriam exercer liderança e, mais que isso, exemplo.

Reproduzo, na íntegra, o parágrafo do comunicado conjunto sobre o assunto:

"Ao trocar impressões sobre recentes desafios na Africa e no Oriente Médio, os presidentes ressaltaram a importância de esforços cooperativos para produzir resolução de conflitos que seja sustentável e contribua para a paz e a estabilidade. Manifestaram seu compromisso de apoiar, com urgência, soluções multilaterais abrangentes e duradouras para as prementes questões e crises globais atuais."

Meu Deus do céu, nem o maior perito em lugar-comum, em falar muito e não dizer nada, em produzir platitudes ocas, seria capaz de tanto vazio.

Não usaram a palavra democracia, com a qual enchem a boca em outras ocasiões. Só citaram direitos humanos em outro contexto, por mais que Dilma, na posse, tivesse dito que seriam o "centro" de sua política externa e que os presidentes americanos não se cansem nunca de cobrá-los dos outros. Nada.

Nem dá para dizer que os dois países têm profundas divergências a respeito da situação na Síria, o que levaria o comunicado conjunto a ser omisso para não estragar um pacote de entendimentos e acordos que é bastante amplo, por mais que careça de emoções fortes.

Os dois países apoiam a missão Kofi Annan, que obteve do ditador sírio a promessa de acatamento a um plano de seis pontos, cujo ponto de partida seria um cessar-fogo. A trégua deve começar hoje, mas Bashar Assad continua matando os seus. Se há um prazo, se há apoio à missão Annan, se ela está em perigo de cair no vazio, por que o silêncio dos dois líderes democráticos?

Custava, pelo menos, usar a fórmula adotada pelos Brics na cúpula do mês passado e condenar "toda violência"? Para o meu gosto, é uma fórmula torpe, porque equipara a violência do opressor à resposta dos oprimidos. Mas seria ao menos um sinal de que nem Brasil nem EUA estão confortáveis com a carnificina.

Nem a Liga Árabe, prenhe de países liderados por ditadores habituados a também usar a violência, seria capaz de pôr no papel um parágrafo tão inútil, tão omisso.

Não há nem a justificativa de que o Brasil desconfia dos Estados Unidos e de suas eventuais intenções belicistas. Afinal, um dos pontos do pacote ontem anunciado diz que, na área de defesa, "a cooperação [entre os dois países] é mais próxima hoje do que em qualquer outro momento dos últimos 35 anos".

Dá até para dizer que nem mesmo na ditadura militar, que pretendia ser a força de contenção contra o ubíquo "comunismo internacional", os militares dos dois lados estiveram tão próximos.

Não obstante, seus líderes silenciam sobre o mais sério problema do momento em termos políticos/institucionais/militares/de segurança. Incrível.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM 'MUNDO'
Julia Sweig

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