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Matias Spektor

A melhor barganha

O Brasil não está habituado a tomar parte dos furiosos embates que definem as regras sobre guerra e paz

Circula em Nova York um esboço do relatório do secretário-geral da ONU sobre o futuro das intervenções humanitárias. O tema é quente porque a Síria contabiliza ao menos 17 mil mortos, dando alento a quem clama por uma intervenção.

Em seu relatório, Ban Ki-moon outorga espaço inédito a uma ideia brasileira, a "Responsabilidade ao Proteger".

O conceito é a principal iniciativa multilateral do governo Dilma.

A tese é simples. Primeiro, reconhece que a era das intervenções humanitárias veio para ficar: regimes que violam sistematicamente os direitos humanos de suas populações poderão perder seus direitos soberanos.

Em seguida, reconhece que as grandes potências tendem a usar argumentos humanitários de maneira seletiva, atuando com vistas a obter vantagens estratégicas estritamente nacionais. E prevê que uma onda de intervenções frouxamente reguladas pode gerar maior insegurança para todos.

A proposta brasileira tem a estrutura de uma barganha.

O Conselho de Segurança da ONU poderá evocar os direitos humanos como justificativa legítima para autorizar intervenções de caráter humanitário.

Em troca, as grandes potências deverão aceitar regras e princípios de conduta para disciplinar o uso da força de modo multilateral.

Em suma: se os fortes querem luz verde para atuar em nome da estabilidade internacional, precisam fazer concessões aos mais fracos em nome de algum princípio de justiça.

Uma barganha dessa natureza é essencial para assegurar a legitimidade das novas regras de intervenção humanitária.

Sem ela, uns tentarão empurrar intervenções goela abaixo do resto do mundo; outros farão tudo em seu poder para atravancar a ação coletiva diante de graves atrocidades.

A iniciativa brasileira foi apresentada em novembro passado. A reação inicial das principais potências foi de suspeita. Americanos, franceses, ingleses e alemães temiam se tratar de um truque para bloquear a atuação do Conselho de Segurança e proteger as preferências de China e Rússia, sempre na retranca quando o tema é direitos humanos.

China e Rússia, por sua vez, temiam que o Brasil estivesse indo longe demais ao aceitar que as intervenções humanitárias serão fenômeno recorrente no futuro das relações internacionais.

Nos últimos meses, o quadro começou a mudar. Ainda há resistências em Londres, Paris, Moscou e Pequim, mas Washington, Berlim, Ancara e Nova Déli querem dialogar. Brasília, por sua vez, já mostrou estar disposta a adaptar os termos da proposta original. Na prática, nem faz questão de ser a principal patrocinadora da empreitada.

Também querem diálogo as redes de ativistas transnacionais que influenciam o debate público global a respeito dos crimes contra a humanidade.

Uma barganha nos moldes da proposta brasileira será mais urgente à medida que o horror na Síria for se aprofundando.

O Brasil não está acostumado a tomar parte dos furiosos embates que marcam a definição de regras sobre a guerra e a paz. É isso que se espera de um país emergente. E neste caso é para valer.

AMANHÃ EM MUNDO

Clóvis Rossi

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