São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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ANÁLISE

Atrocidade testa apoio público nos EUA e insufla insurgentes

DO "INDEPENDENT"

No período prolongado e sangrento que se seguiu à Guerra do Iraque, pareceu que uma tendência estava começando a prevalecer. Embora a resistência violenta à ocupação americana e britânica continuasse, especialmente na região central do país, o número de mortos estrangeiros estava caindo. Cada vez mais, os iraquianos descarregavam seu ressentimento contra outros iraquianos. Havia razões para isso. A segurança melhor e a maior familiaridade com o território mantiveram as tropas estrangeiras mais longe do perigo.
Ao mesmo tempo, a transferência progressiva de tarefas de segurança para os iraquianos fez com que, cada vez mais, fossem eles que estivessem na linha de fogo.
Os ataques medonhos de ontem marcam uma virada nova e profundamente negativa que pode ter repercussões para muito além do Iraque e para longe no futuro.
Já estava claro, mesmo antes dessas atrocidades, que empresários e técnicos estrangeiros que atuam no Iraque estão muito expostos. Muitos são facilmente identificáveis por seus carros e sua aparência. Diferentemente das tropas estrangeiras, precisam se deslocar e não podem sempre viajar em comboios blindados. Sem eles, a reconstrução da infra-estrutura e dos serviços básicos no Iraque, urgentemente necessária, vai demorar ainda mais, intensificando a frustração da população comum. Enquanto estão no Iraque, porém, correm o risco de serem vistos como o lado mais frágil e vulnerável da ocupação, alvos estrangeiros fáceis.
Os ataques de ontem dificilmente vão encorajar empresas estrangeiras a fazer licitações para empreender obras no Iraque. Eles podem inaugurar uma retirada dessas empresas, exatamente no momento em que elas são mais necessárias, quando se prepara a devolução da soberania à administração iraquiana, no final de junho. Mas esse pode ser o menor dos efeitos. Os ataques mais recentes foram filmados, em todos os detalhes cruentos. Com maior ou menor grau de censura, foram exibidos em todo o mundo. Ainda é cedo para avaliar o impacto dessas imagens, mas prever que não ajudarão a promover qualquer espécie de normalização no Iraque certamente é subestimar o óbvio. Por chocantes que tenham sido os ataques, eles correm o risco de virar o critério pelo qual os elementos mais extremos da insurgência avaliarão a ousadia e o compromisso de seus colegas.
É impossível superestimar o impacto que essas imagens terão no mundo árabe. É a humilhação do infiel mostrada sem dó nem piedade. Governos escrupulosos vão condenar os ataques, usando o discurso diplomático cuidadoso, mas, entre as bases, uma das reações será festejar o ""castigo" às forças de ocupação e seus agentes.
Nos Estados Unidos, a reação previsível -e justificada- será de condenação, amargura e revolta. A questão, porém, será saber se a reação americana vai parar por aí: não a resposta oficial -se bem que não se possa excluir a possibilidade de operações maciças de represália em Fallujah-, mas a resposta da opinião pública. Trata-se de território político perigoso para a administração Bush, mesmo faltando sete meses para a eleição. Até agora, o apoio popular americano à continuidade do envolvimento dos EUA no Iraque vem caindo apenas lentamente. Os americanos vêm recebendo os reveses sucessivos mais estoicamente do que muitos previam.
Até ontem, porém, não tinha ocorrido nenhuma atrocidade capaz de trazer à tona outra vez as memórias do caminhão-bomba que matou mais de 240 fuzileiros navais americanos no Líbano, nenhuma derrubada de helicóptero Falcão Negro, ao estilo do que aconteceu em Mogadício. Nenhum ataque único no Iraque que fosse tão assassino em escala ou brutal em sua execução que tivesse motivado chamados em grande escala por uma retirada imediata e incondicional das tropas.


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