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ANÁLISE
Atrocidade testa apoio público nos EUA e insufla insurgentes
DO "INDEPENDENT"
No período prolongado e sangrento que se seguiu à Guerra do
Iraque, pareceu que uma tendência estava começando a prevalecer. Embora a resistência violenta
à ocupação americana e britânica
continuasse, especialmente na região central do país, o número de
mortos estrangeiros estava caindo. Cada vez mais, os iraquianos
descarregavam seu ressentimento
contra outros iraquianos. Havia
razões para isso. A segurança melhor e a maior familiaridade com
o território mantiveram as tropas
estrangeiras mais longe do perigo.
Ao mesmo tempo, a transferência progressiva de tarefas de segurança para os iraquianos fez com
que, cada vez mais, fossem eles
que estivessem na linha de fogo.
Os ataques medonhos de ontem
marcam uma virada nova e profundamente negativa que pode
ter repercussões para muito além
do Iraque e para longe no futuro.
Já estava claro, mesmo antes
dessas atrocidades, que empresários e técnicos estrangeiros que
atuam no Iraque estão muito expostos. Muitos são facilmente
identificáveis por seus carros e
sua aparência. Diferentemente
das tropas estrangeiras, precisam
se deslocar e não podem sempre
viajar em comboios blindados.
Sem eles, a reconstrução da infra-estrutura e dos serviços básicos
no Iraque, urgentemente necessária, vai demorar ainda mais, intensificando a frustração da população comum. Enquanto estão
no Iraque, porém, correm o risco
de serem vistos como o lado mais
frágil e vulnerável da ocupação,
alvos estrangeiros fáceis.
Os ataques de ontem dificilmente vão encorajar empresas estrangeiras a fazer licitações para
empreender obras no Iraque. Eles
podem inaugurar uma retirada
dessas empresas, exatamente no
momento em que elas são mais
necessárias, quando se prepara a
devolução da soberania à administração iraquiana, no final de
junho. Mas esse pode ser o menor
dos efeitos. Os ataques mais recentes foram filmados, em todos
os detalhes cruentos. Com maior
ou menor grau de censura, foram
exibidos em todo o mundo. Ainda é cedo para avaliar o impacto
dessas imagens, mas prever que
não ajudarão a promover qualquer espécie de normalização no
Iraque certamente é subestimar o
óbvio. Por chocantes que tenham
sido os ataques, eles correm o risco de virar o critério pelo qual os
elementos mais extremos da insurgência avaliarão a ousadia e o
compromisso de seus colegas.
É impossível superestimar o impacto que essas imagens terão no
mundo árabe. É a humilhação do
infiel mostrada sem dó nem piedade. Governos escrupulosos vão
condenar os ataques, usando o
discurso diplomático cuidadoso,
mas, entre as bases, uma das reações será festejar o ""castigo" às
forças de ocupação e seus agentes.
Nos Estados Unidos, a reação
previsível -e justificada- será
de condenação, amargura e revolta. A questão, porém, será saber se
a reação americana vai parar por
aí: não a resposta oficial -se bem
que não se possa excluir a possibilidade de operações maciças de
represália em Fallujah-, mas a
resposta da opinião pública. Trata-se de território político perigoso para a administração Bush,
mesmo faltando sete meses para a
eleição. Até agora, o apoio popular americano à continuidade do
envolvimento dos EUA no Iraque
vem caindo apenas lentamente.
Os americanos vêm recebendo os
reveses sucessivos mais estoicamente do que muitos previam.
Até ontem, porém, não tinha
ocorrido nenhuma atrocidade capaz de trazer à tona outra vez as
memórias do caminhão-bomba
que matou mais de 240 fuzileiros
navais americanos no Líbano, nenhuma derrubada de helicóptero
Falcão Negro, ao estilo do que
aconteceu em Mogadício. Nenhum ataque único no Iraque que
fosse tão assassino em escala ou
brutal em sua execução que tivesse motivado chamados em grande escala por uma retirada imediata e incondicional das tropas.
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