São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÁSIA

Presidente teme que país se torne abrigo para terroristas e traficantes; doadores prometem US$ 4,4 bi até março de 2005

Karzai pede US$ 27,5 bi para evitar colapso do Afeganistão

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O presidente afegão, Hamid Karzai, pediu ontem à comunidade internacional US$ 27,5 bilhões em ajuda financeira à sua reconstrução -em sete anos- e colaboração logística e militar para pôr fim ao cultivo e venda ilegal de ópio e haxixe, dizendo temer que o país se torne um abrigo para terroristas e traficantes.
"O que já fizemos é promissor, mas vou ser franco: a reconstrução apenas começou", afirmou Karzai ante 50 doadores potenciais, em Berlim. Eles concordaram em doar US$ 4,4 bilhões até março de 2005, segundo o ministro das Finanças afegão, Ashraf Ghani. Nos próximos três anos, o país receberá US$ 8,2 bilhões.
Mais de dois anos depois que uma coalizão liderada pelos EUA depôs o regime do Taleban, que dava abrigo a Osama bin Laden e a seus asseclas da rede Al Qaeda, o Afeganistão, um dos países mais pobres e o maior produtor de ópio do planeta, continua sendo uma das principais preocupações do Ocidente no que se refere à segurança. Estima-se que a produção de ópio, que fora quase erradicada sob o Taleban, seja responsável por 50% do PIB afegão, que gira em torno de US$ 4 bilhões.
Mas a Guerra do Iraque fez que a atenção internacional fosse desviada. O Afeganistão ainda precisa de muita ajuda para atingir níveis razoáveis de desenvolvimento, para Morgan Courtney, co-autora de um relatório do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
"O pedido de Karzai é baseado em estudos sérios feitos no país. Ele é razoável. Como disse Ghani nesta semana, os afegãos querem uma bicicleta, não uma Ferrari. O problema é que há poucas chances de o Afeganistão receber esse dinheiro. Na reunião de Tóquio, em 2002, Cabul pediu US$ 10 bilhões, mas só recebeu US$ 4,5 bilhões", disse Courtney, cujo estudo foi divulgado ontem, à Folha.
O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, prometeu que Washington "não abandonará o Afeganistão". "Nunca mais na história terroristas e tiranos dominarão o país", declarou Powell.
Karzai sabia que não podia esperar que, na conferência de Berlim, os doadores se comprometessem a doar os US$ 27,5 bilhões, mas deixou claro que o montante é necessário para conter o tráfico de drogas e as atividades dos chefes de guerra. Estes, que ajudaram a coalizão a depor o Taleban, transformaram-se em líderes regionais fortes e, muitas vezes, não respeitam o governo central.
"Os chefes de guerra são um grande problema, pois minam o governo central ao não repassarem os impostos que cobram da população local. Os EUA e a comunidade internacional terão de achar um modo de lidar com eles, porém ainda não sabem o que fazer. Contudo seria ainda mais eficaz mostrar à população que o governo existe, e isso só ocorrerá quando Cabul puder fornecer serviços básicos às regiões. As pessoas passarão a respeitar o governo se virem que ele tem uma razão de ser", analisou Courtney.
Uma força de 13,5 mil homens liderada pelos EUA atua no interior do Afeganistão, tentando caçar membros ainda ativos da Al Qaeda e do Taleban. Outros 2.000 marines chegaram à região ontem. Ademais, um contingente de 5.000 homens comandado pela Otan zela pela segurança de Cabul. Recentemente, a aliança militar ocidental recebeu a incumbência de criar equipes de proteção para agir no interior do país.
Para Courtney, todavia, isso não será de grande valia. "Só há 6.000 soldados afegãos bem treinados e 2.000 policiais para realizar a tarefa num país de mais 28 milhões de pessoas que tem um enorme problema de tráfico de drogas e chefes de guerra muito influentes."

Saúde e educação
Segundo seu estudo, investimentos em saúde, em educação e em infra-estrutura são vitais atualmente. "O caso mais grave é o da saúde. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo. A educação é outro desafio, já que o analfabetismo entre as mulheres é de 90%, o que é terrível."
"Também é preciso melhorar a infra-estrutura, construindo estradas. Não só estradas principais mas também vias que levem os produtos do campo aos mercados consumidores. Só assim haverá a criação de um mercado interno no Afeganistão, o que é uma premissa para que o país possa sustentar-se", apontou Courtney.
Ontem Karzai afirmou que, se tudo correr bem, o Afeganistão será economicamente auto-suficiente em 2014. De acordo com Ghani, as doações feitas agora evitarão que a comunidade internacional tenha de despender muito mais no futuro -se houver um colapso institucional no país.
Vale lembrar que muitos dos atuais líderes políticos afegãos fizeram parte do regime que não conseguiu conter uma guerra civil na década passada. O conflito abriu caminho para que o Taleban chegasse ao poder, em 1996. E, no domingo, Karzai teve de adiar as eleições presidenciais de junho para setembro -um mau sinal, para Courtney.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Reino Unido: Islâmicos britânicos fazem apelo antiterror
Próximo Texto: Lei: Tribunal quer sustar 51 execuções nos EUA
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.