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entrevista
Maior desafio é resolver moeda dupla
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Quando visitou a ilha em
2007, o cubano radicado nos
EUA Samuel Farber viu de
perto como operava a restrição para que seus compatriotas usassem os serviços de
turismo no país. Um amigo,
conta, foi proibido de subir
até seu quarto, no hotel.
"Tive de levar a encomenda até o lobby", diz ele. Para
Farber, que é professor aposentado da Universidade da
Cidade de Nova York e autor
de livros sobre Cuba, ao acabar com esse "apartheid",
ainda que atenda a um público seleto, Raúl Castro elimina uma discriminação que
"chocava os cubanos" e caminha para criar uma base
de apoio para além de Fidel.
O desafio, diz, é eliminar a
dupla moeda, o que só ocorrerá com o aumento da produção interna. "A moeda dupla é um racionamento muito injusto, mas efetivo."
FOLHA - Como avalia as medidas do governo Raúl?
SAMUEL FARBER - É liberalização sem democratização,
uma agenda que não envolve
política, um movimento
muito hábil para criar sua base de simpatia para além de
Fidel. Raúl está respondendo, de maneira muito seletiva obviamente, às queixas
expressadas depois que ele
chamou ao debate em julho
do ano passado.
A questão dos hotéis, que
apareceu até no famoso vídeo dos estudantes, era muito irritante, uma espécie de
apartheid. Quando estive em
Cuba em janeiro de 2007, em
uma ocasião eu queria entregar uma encomenda a um
amigo e não o deixaram subir
a meu quarto. Tive de levar a
encomenda até o lobby.
Acabar com essa restrição
foi uma medida inteligente
de Raúl porque, na prática,
pouco vai mudar. Há pouca
gente que terá pesos conversíveis suficientes. Na prática,
quando alguém for visitar
Cuba, poderá convidar parentes para passeios, esse tipo de coisa.
FOLHA - As mudanças não evidenciarão a desigualdade crescente em Cuba? Podem provocar
alguma fricção social?
FARBER - Obviamente, pode
ser uma faca de dois gumes.
Mas, a curto prazo, o governo
Raúl Castro ganha mais fazendo isso se comparado à
parte negativa de criar mais
desigualdade. As pessoas estavam muito mais conscientes da discriminação entre
estrangeiros e cubanos, no
contexto dos hotéis, do que
da diferença entre cubanos
com moeda conversível e
sem ela. Ela chocava mais.
A curto prazo, o governo se
beneficia porque eliminou
uma proibição muito impopular. A médio e a longo prazo, à medida que o governo
for introduzindo medidas
[de liberalização] de tipo chinês, principalmente depois
que Fidel morrer, é que o
problema da desigualdade se
fará muito mais evidente.
FOLHA - Também da lista de
queixas, há a proibição de viagens ao exterior e a moeda dupla
em si. Qual possibilidade de mudança nesses temas?
FARBER - No primeiro caso, o
governo pode passar a uma
repressão mais seletiva. No
caso da última, talvez ele
consiga melhorar a relação
entre o peso/peso conversível, mas duvido que vá além.
Eliminar a dupla moeda não
é fácil. A não ser que haja um
incremento muito grande da
produção do país, daí porque
as medidas na agricultura
são as mais importantes.
Do contrário, melhorar o
poder aquisitivo seria provocar uma inflação incrível. A
moeda dupla é um racionamento muito injusto, mas
muito efetivo.
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