São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

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entrevista

Maior desafio é resolver moeda dupla

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Quando visitou a ilha em 2007, o cubano radicado nos EUA Samuel Farber viu de perto como operava a restrição para que seus compatriotas usassem os serviços de turismo no país. Um amigo, conta, foi proibido de subir até seu quarto, no hotel. "Tive de levar a encomenda até o lobby", diz ele. Para Farber, que é professor aposentado da Universidade da Cidade de Nova York e autor de livros sobre Cuba, ao acabar com esse "apartheid", ainda que atenda a um público seleto, Raúl Castro elimina uma discriminação que "chocava os cubanos" e caminha para criar uma base de apoio para além de Fidel. O desafio, diz, é eliminar a dupla moeda, o que só ocorrerá com o aumento da produção interna. "A moeda dupla é um racionamento muito injusto, mas efetivo."

 

FOLHA - Como avalia as medidas do governo Raúl?
SAMUEL FARBER
- É liberalização sem democratização, uma agenda que não envolve política, um movimento muito hábil para criar sua base de simpatia para além de Fidel. Raúl está respondendo, de maneira muito seletiva obviamente, às queixas expressadas depois que ele chamou ao debate em julho do ano passado.
A questão dos hotéis, que apareceu até no famoso vídeo dos estudantes, era muito irritante, uma espécie de apartheid. Quando estive em Cuba em janeiro de 2007, em uma ocasião eu queria entregar uma encomenda a um amigo e não o deixaram subir a meu quarto. Tive de levar a encomenda até o lobby. Acabar com essa restrição foi uma medida inteligente de Raúl porque, na prática, pouco vai mudar. Há pouca gente que terá pesos conversíveis suficientes. Na prática, quando alguém for visitar Cuba, poderá convidar parentes para passeios, esse tipo de coisa.

FOLHA - As mudanças não evidenciarão a desigualdade crescente em Cuba? Podem provocar alguma fricção social?
FARBER
- Obviamente, pode ser uma faca de dois gumes. Mas, a curto prazo, o governo Raúl Castro ganha mais fazendo isso se comparado à parte negativa de criar mais desigualdade. As pessoas estavam muito mais conscientes da discriminação entre estrangeiros e cubanos, no contexto dos hotéis, do que da diferença entre cubanos com moeda conversível e sem ela. Ela chocava mais.
A curto prazo, o governo se beneficia porque eliminou uma proibição muito impopular. A médio e a longo prazo, à medida que o governo for introduzindo medidas [de liberalização] de tipo chinês, principalmente depois que Fidel morrer, é que o problema da desigualdade se fará muito mais evidente.

FOLHA - Também da lista de queixas, há a proibição de viagens ao exterior e a moeda dupla em si. Qual possibilidade de mudança nesses temas?
FARBER
- No primeiro caso, o governo pode passar a uma repressão mais seletiva. No caso da última, talvez ele consiga melhorar a relação entre o peso/peso conversível, mas duvido que vá além. Eliminar a dupla moeda não é fácil. A não ser que haja um incremento muito grande da produção do país, daí porque as medidas na agricultura são as mais importantes.
Do contrário, melhorar o poder aquisitivo seria provocar uma inflação incrível. A moeda dupla é um racionamento muito injusto, mas muito efetivo.


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