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Pensador indiano não vê seu país no primeiro time
Para Ramachandra Guha, sociedade ignora desigualdade que alimenta insurgência
Autor de história da Índia diz que mercado aberto trouxe desenvolvimento parcial e que ambiente e ensino superior são negligenciados
JOE LEAHY
DO "FINANCIAL TIMES"
Ramachandra Guha, um dos
maiores escritores e pensadores da Índia de hoje, acaba de
lançar a grande obra de sua carreira até agora: "India After
Gandhi -The History of the
World's Largest Democracy" (a
Índia após Gandhi - história
da maior democracia do mundo). A sabedoria que acumulou
na criação desse tomo magnífico e de leitura agradável o põe
numa posição única: a de poder
também atuar como profeta.
Quais são as forças e as fragilidades da Índia, no momento
em que o país inicia seus próximos 60 anos de história independente?
Guha começa por destacar os
pontos fracos do país: "A Índia
não vai virar uma superpotência", diz ele, sem rodeios. "A capacidade cada vez menor do
Estado e a visão míope de nossa
classe política vão solapar gravemente o desenvolvimento
econômico e social do país."
Ele ressalta três problemas
que são em grande medida fruto da governança fraca e da falta de visão política, mas que
quase não figuram nas discussões nacionais: a crescente insurgência maoísta no interior
do país, a destruição do meio
ambiente e a deterioração do
sistema de ensino superior.
Guha explica que a liberalização do mercado inaugurou uma
era de globalização que deu origem à crescente indústria nacional de serviços de informática e a um setor corporativo
confiante e dotado de competitividade internacional. Mas o
fim da economia planejada
também gerou efeitos indesejados, como as crescentes disparidades econômicas regionais.
Bucha de canhão
A situação é especialmente
grave na região montanhosa
pobre da Índia central e oriental, que se estende de Bengala
Ocidental, no leste, até parte de
Gujarat, no oeste. Essa região é
habitada por quase 70 milhões
de integrantes das chamadas
"tribos registradas" da Índia.
Essa população vive em situação ainda pior que os membros
da casta mais baixa do país, os
"dalits" (antes conhecidos como intocáveis).
Os tribais sofrem os efeitos
do que Guha descreve como o
lado "brutal" da globalização
-a extração em grande escala
de matérias-primas de suas terras por empresas auxiliadas pelos políticos não-tribais que governam esses Estados. Sem defensores legítimos de sua causa, os tribais estão virando recrutas do crescente movimento
guerrilheiro maoísta, que os
usa como bucha de canhão.
Guha explica: "Na base da insurgência (maoísta) está o problema da população tribal da
Índia central, o setor mais vulnerável da sociedade. E sua vulnerabilidade e vitimização vão
se agravar com a globalização".
A insurgência existe há anos,
mas vem ganhando força em
pelo menos 50 distritos. Nessas
áreas, "o Estado exerce algum
tipo de controle durante o dia,
mas nenhum controle à noite".
De acordo com Guha, o problema é em grande medida invisível. O dignitário estrangeiro
típico geralmente visita Déli, o
sofisticado centro político da
nação indiana, e depois viaja de
avião até Bangalore, onde se
impressiona com os modernos
campi de informática da cidade. "Você pensa que a Índia está
se saindo muito bem. Mas, se
você viaja de avião de Déli a
Bangalore, passa literalmente
mil milhas sobre a insurgência
que ocorre lá embaixo."
Os maoístas são mais do que
um simples fator irritante. Em
Nandigram, no Estado de Bengala Ocidental, eles infiltraram
um movimento de aldeia que se
opunha à criação de um centro
industrial em suas terras, alimentando atos de violência que
culminaram com 14 mortes em
março. O Estado não vem conseguindo reagir aos maoístas
com eficácia, exceto pelo emprego de força excessiva.
Mais problemas
Outro problema que vai prejudicar o crescimento da Índia
nas próximas décadas é o fato
de autoridades corruptas não
protegerem o ambiente, levando à poluição dos recursos hídricos já escassos.
Outros problemas graves incluem o ensino superior, que,
de acordo com Guha, vem sendo manipulado por políticos
que vêem os conselhos de direção das universidades como
instrumento de patrocínio.
Será que isso significa que a
Índia está fadada ao fracasso?
Não. Como destaca Ramachandra Guha em seu livro, a
contribuição mais duradoura
dos fundadores do Estado indiano foi a criação de um Estado baseado em princípios seculares pluralistas, contando com
a salvaguarda dos freios e contrapesos da democracia. "Esses
fundadores plantaram uma semente de democracia que cresceu e tornou-se uma árvore."
O mais provável, diz Guha, é
que a Índia encontrará seu próprio caminho, não chegando a
desabar, mas, ao mesmo tempo, não alcançando a grandeza
à qual agora aspira. "A Índia
continuará avançando aos
trancos e barrancos."
Tradução de CLARA ALLAIN
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