São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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Pensador indiano não vê seu país no primeiro time

Para Ramachandra Guha, sociedade ignora desigualdade que alimenta insurgência

Autor de história da Índia diz que mercado aberto trouxe desenvolvimento parcial e que ambiente e ensino superior são negligenciados

JOE LEAHY
DO "FINANCIAL TIMES"

Ramachandra Guha, um dos maiores escritores e pensadores da Índia de hoje, acaba de lançar a grande obra de sua carreira até agora: "India After Gandhi -The History of the World's Largest Democracy" (a Índia após Gandhi - história da maior democracia do mundo). A sabedoria que acumulou na criação desse tomo magnífico e de leitura agradável o põe numa posição única: a de poder também atuar como profeta.
Quais são as forças e as fragilidades da Índia, no momento em que o país inicia seus próximos 60 anos de história independente?
Guha começa por destacar os pontos fracos do país: "A Índia não vai virar uma superpotência", diz ele, sem rodeios. "A capacidade cada vez menor do Estado e a visão míope de nossa classe política vão solapar gravemente o desenvolvimento econômico e social do país."
Ele ressalta três problemas que são em grande medida fruto da governança fraca e da falta de visão política, mas que quase não figuram nas discussões nacionais: a crescente insurgência maoísta no interior do país, a destruição do meio ambiente e a deterioração do sistema de ensino superior.
Guha explica que a liberalização do mercado inaugurou uma era de globalização que deu origem à crescente indústria nacional de serviços de informática e a um setor corporativo confiante e dotado de competitividade internacional. Mas o fim da economia planejada também gerou efeitos indesejados, como as crescentes disparidades econômicas regionais.

Bucha de canhão
A situação é especialmente grave na região montanhosa pobre da Índia central e oriental, que se estende de Bengala Ocidental, no leste, até parte de Gujarat, no oeste. Essa região é habitada por quase 70 milhões de integrantes das chamadas "tribos registradas" da Índia. Essa população vive em situação ainda pior que os membros da casta mais baixa do país, os "dalits" (antes conhecidos como intocáveis).
Os tribais sofrem os efeitos do que Guha descreve como o lado "brutal" da globalização -a extração em grande escala de matérias-primas de suas terras por empresas auxiliadas pelos políticos não-tribais que governam esses Estados. Sem defensores legítimos de sua causa, os tribais estão virando recrutas do crescente movimento guerrilheiro maoísta, que os usa como bucha de canhão.
Guha explica: "Na base da insurgência (maoísta) está o problema da população tribal da Índia central, o setor mais vulnerável da sociedade. E sua vulnerabilidade e vitimização vão se agravar com a globalização".
A insurgência existe há anos, mas vem ganhando força em pelo menos 50 distritos. Nessas áreas, "o Estado exerce algum tipo de controle durante o dia, mas nenhum controle à noite".
De acordo com Guha, o problema é em grande medida invisível. O dignitário estrangeiro típico geralmente visita Déli, o sofisticado centro político da nação indiana, e depois viaja de avião até Bangalore, onde se impressiona com os modernos campi de informática da cidade. "Você pensa que a Índia está se saindo muito bem. Mas, se você viaja de avião de Déli a Bangalore, passa literalmente mil milhas sobre a insurgência que ocorre lá embaixo."
Os maoístas são mais do que um simples fator irritante. Em Nandigram, no Estado de Bengala Ocidental, eles infiltraram um movimento de aldeia que se opunha à criação de um centro industrial em suas terras, alimentando atos de violência que culminaram com 14 mortes em março. O Estado não vem conseguindo reagir aos maoístas com eficácia, exceto pelo emprego de força excessiva.

Mais problemas
Outro problema que vai prejudicar o crescimento da Índia nas próximas décadas é o fato de autoridades corruptas não protegerem o ambiente, levando à poluição dos recursos hídricos já escassos.
Outros problemas graves incluem o ensino superior, que, de acordo com Guha, vem sendo manipulado por políticos que vêem os conselhos de direção das universidades como instrumento de patrocínio.
Será que isso significa que a Índia está fadada ao fracasso?
Não. Como destaca Ramachandra Guha em seu livro, a contribuição mais duradoura dos fundadores do Estado indiano foi a criação de um Estado baseado em princípios seculares pluralistas, contando com a salvaguarda dos freios e contrapesos da democracia. "Esses fundadores plantaram uma semente de democracia que cresceu e tornou-se uma árvore."
O mais provável, diz Guha, é que a Índia encontrará seu próprio caminho, não chegando a desabar, mas, ao mesmo tempo, não alcançando a grandeza à qual agora aspira. "A Índia continuará avançando aos trancos e barrancos."


Tradução de CLARA ALLAIN


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