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São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2003

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Bairro de Bagdá torna-se reduto antiamericano

RÉMY OURDAN
DO "LE MONDE", EM BAGDÁ

No bairro de Al Adhamiya, em Bagdá, cinco dias atrás, centenas de homens desfilaram abertamente, com armas na mão, reivindicando o retorno do ex-ditador Saddam Hussein.
A cena aconteceu na quinta-feira, 25 de setembro. Eram algumas centenas de manifestantes e alguns milhares de curiosos que se aglomeravam nas portas das casas. Algumas pessoas atiraram flores sobre os manifestantes. Para as crianças, foi um dia de festa.
"A manifestação foi ridícula", protestou o ímã mais respeitado de Al Adhamiya, Muyad Al Adhami, que oficia na mesquita sunita de Abu Hanifa. "Os participantes eram basicamente adolescentes e crianças pagos não sei por quem. Acredito que o único objetivo foi de irritar os americanos. Não acho que essas pessoas fossem sinceras. Em todo caso, elas não representam a população de Al Adhamiya."
Esse bairro popular sunita foi um reduto do Partido Baath durante o governo de Saddam. Curdos e xiitas não se aventuravam a entrar no bairro.
Foi diante da mesquita de Abu Hanifa que Saddam Hussein fez sua última aparição pública, horas antes de os fuzileiros navais americanos chegarem ao centro de Bagdá, em 9 de abril, e derrubarem sua estátua.
Tudo isso significa que, tanto no imaginário quanto na realidade da capital iraquiana, Al Adhamiya representa o núcleo maior da nostalgia baathista e do sentimento antiamericano.
É verdade que as orações das sextas-feiras são conhecidas por nunca ultrapassarem a linha vermelha que separa um discurso antiamericano de um discurso pró-Saddam.
Mas os sinais não enganam: as pessoas no meio da multidão não hesitam em afirmar que "o presidente deveria recrutar um exército e voltar ao poder o quanto antes", os sorrisos satisfeitos evocados por cada ataque contra o Exército dos EUA.
E isso sem falar nas pichações que surgem por toda parte nos muros: "Viva o presidente "mujahedin", Saddam!", "Alá é grande e Saddam é corajoso!", "Por nosso sangue, por nossa alma, nos sacrificaremos por ti, ó Saddam!", "A jihad é nosso caminho!", "Paciência, Bagdá, paciência -vamos forçar o ocupante a partir".
Para Muyad Al Adhami, "há espiões que querem desfigurar a imagem de Al Adhamiya" -pessoas que pagam os manifestantes armados, que inscrevem slogans nos muros.
"Esses espiões são os baathistas que trabalham para os americanos, para melhor envenená-los", acredita o religioso.
"Eles denunciam pessoas do bairro como sendo partidárias de Saddam. Então o Exército americano ataca as casas dessas pessoas. Como esse Exército não tem respeito algum pela população, o sentimento antiamericano cresce -e os espiões alcançam seus objetivos."


Tradução de Clara Allain


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