São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2007

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Polícia foi inepta no caso Jean Charles, diz promotora

Instituição policial de Londres é levada a juízo por morte de brasileiro em 2005

Fotografia do verdadeiro procurado, suspeito de terrorismo, evidencia erro; julgamento, que começou ontem, tem valor simbólico

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

Depois que os oficiais britânicos envolvidos no assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes não foram levados aos tribunais, começou ontem o julgamento da Polícia Metropolitana de Londres como instituição. O julgamento tem valor mais político do que jurídico, uma vez que a penalidade máxima prevista é uma multa -que não tem teto definido e pode chegar a "seis dígitos", segundo a promotora do caso, Clare Montgomery.
A tese da promotora, exposta ontem ao júri, é a de que uma imensa falta de coordenação e desrespeito a ordens acabou no que ela definiu como "um erro chocante e catastrófico".
Jean Charles, 27, foi atingido por sete tiros na cabeça na manhã do dia 22 de julho de 2005 na estação de metrô de Stockwell, sul de Londres. Ele foi confundido com um dos suspeitos dos ataques terroristas que mataram 52 pessoas na capital britânica duas semanas antes.

Atrasados
Entre os detalhes revelados por Montgomery está o de que a unidade armada da polícia -no país, quase nenhum policial anda armado-, chegou muito atrasada ao local, quando a vigilância já estava em curso havia horas. Ela disse que a falta de preparo era tanta que os policiais armados até pararam para abastecer o carro. Só chegaram quando a perseguição ao brasileiro já estava no metrô. Desceram as escadas atrasados e, no momento em que encontraram o brasileiro, atiraram quase imediatamente.
Um dos pontos que mais chamaram a atenção da advogada dos parentes e amigos do brasileiro, Harriet Wistdich, foi a foto distribuída aos policiais com a imagem do verdadeiro suspeito, Hussain Osman, com quem Jean Charles acabou confundido.
"Eu ainda não tinha visto essa imagem. Na comparação, fica claro que eles eram muito diferentes", disse Wistdich. Um dos principais pontos da promotora é que, em nenhum momento, houve uma identificação 100% positiva de que o brasileiro fosse Osman e, mesmo assim, os policiais atiraram. Dois primos do brasileiro e um amigo acompanharam parte da sessão. A Folha era o único jornal brasileiro presente.
Os policiais que participaram da operação mais uma vez ficarão fora do debate. "Não será necessário que vocês tenham qualquer opinião formada sobre a culpa ou a inocência dos oficiais individualmente", disse Montgomery aos 12 jurados. "No entanto, será necessário que vocês avaliem se, se cada oficial tivesse feito seu trabalho, se tivesse feito o que era razoável e possível fazer, Jean Charles ainda poderia estar vivo", completou.

Inédito
A promotora disse à Folha que jamais a polícia londrina foi condenada num caso como esse. O julgamento deve durar de seis a oito semanas. Entre as testemunhas estarão policiais que participaram da operação. Mas o chefe da Polícia Metropolitana, Ian Blair, e os dois policiais que atiraram em Jean Charles não devem depor.
Ontem, no primeiro dia, foram escolhidos os 12 jurados do caso, selecionados aleatoriamente entre 50 cidadãos chamados com base no registro eleitoral. O júri ficou composto por seis homens e seis mulheres, a maioria com 40 anos ou mais. Dois são negros, um homem e uma mulher, e nenhum aparentava ascendência latina.
Depois da escolha dos jurados, a promotora começou a apresentação de seu caso, com uma descrição detalhada do dia em que Jean Charles foi morto. Ela contou como o brasileiro deixou sua casa num subúrbio de Londres, às 9h33 da manhã, pegou um ônibus, saltou em uma estação de metrô (Brixton), viu que ela estava fechada, voltou ao ônibus, seguiu para outra (Stockwell) e acabou morto logo depois de entrar no vagão, ainda com o jornal grátis que havia acabado de pegar.
Em sua explanação, Montgomery usou uma série de imagens das milhares de câmeras de TV que vigiam Londres, com registros de Jean Charles em quase todos os pontos, seguido por policiais de várias unidades da polícia britânica.
Todo o julgamento será com base numa lei de 1974, a Lei de Saúde e Segurança no Trabalho, que, em linhas gerais, estabelece que os cidadãos não podem ser expostos a riscos à sua segurança ou à sua saúde durante o trabalho de agentes do governo.


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