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Polícia foi inepta no caso Jean Charles, diz promotora
Instituição policial de Londres é levada a juízo por morte de brasileiro em 2005
Fotografia do verdadeiro procurado, suspeito de terrorismo, evidencia erro; julgamento, que começou ontem, tem valor simbólico
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Depois que os oficiais britânicos envolvidos no assassinato do brasileiro Jean Charles de
Menezes não foram levados aos
tribunais, começou ontem o
julgamento da Polícia Metropolitana de Londres como instituição. O julgamento tem valor mais político do que jurídico, uma vez que a penalidade
máxima prevista é uma multa
-que não tem teto definido e
pode chegar a "seis dígitos", segundo a promotora do caso,
Clare Montgomery.
A tese da promotora, exposta
ontem ao júri, é a de que uma
imensa falta de coordenação e
desrespeito a ordens acabou no
que ela definiu como "um erro
chocante e catastrófico".
Jean Charles, 27, foi atingido
por sete tiros na cabeça na manhã do dia 22 de julho de 2005
na estação de metrô de Stockwell, sul de Londres. Ele foi
confundido com um dos suspeitos dos ataques terroristas
que mataram 52 pessoas na capital britânica duas semanas
antes.
Atrasados
Entre os detalhes revelados
por Montgomery está o de que
a unidade armada da polícia
-no país, quase nenhum policial anda armado-, chegou
muito atrasada ao local, quando a vigilância já estava em curso havia horas. Ela disse que a
falta de preparo era tanta que
os policiais armados até pararam para abastecer o carro. Só
chegaram quando a perseguição ao brasileiro já estava no
metrô. Desceram as escadas
atrasados e, no momento em
que encontraram o brasileiro,
atiraram quase imediatamente.
Um dos pontos que mais chamaram a atenção da advogada
dos parentes e amigos do brasileiro, Harriet Wistdich, foi a foto distribuída aos policiais com
a imagem do verdadeiro suspeito, Hussain Osman, com
quem Jean Charles acabou
confundido.
"Eu ainda não tinha visto essa imagem. Na comparação, fica claro que eles eram muito diferentes", disse Wistdich. Um
dos principais pontos da promotora é que, em nenhum momento, houve uma identificação 100% positiva de que o brasileiro fosse Osman e, mesmo
assim, os policiais atiraram.
Dois primos do brasileiro e um
amigo acompanharam parte da
sessão. A Folha era o único jornal brasileiro presente.
Os policiais que participaram da operação mais uma vez
ficarão fora do debate. "Não
será necessário que vocês tenham qualquer opinião formada sobre a culpa ou a inocência
dos oficiais individualmente",
disse Montgomery aos 12 jurados. "No entanto, será necessário que vocês avaliem se, se cada oficial tivesse feito seu trabalho, se tivesse feito o que era
razoável e possível fazer, Jean
Charles ainda poderia estar vivo", completou.
Inédito
A promotora disse à Folha
que jamais a polícia londrina
foi condenada num caso como
esse. O julgamento deve durar
de seis a oito semanas. Entre as
testemunhas estarão policiais
que participaram da operação.
Mas o chefe da Polícia Metropolitana, Ian Blair, e os dois policiais que atiraram em Jean
Charles não devem depor.
Ontem, no primeiro dia, foram escolhidos os 12 jurados
do caso, selecionados aleatoriamente entre 50 cidadãos
chamados com base no registro
eleitoral. O júri ficou composto
por seis homens e seis mulheres, a maioria com 40 anos ou
mais. Dois são negros, um homem e uma mulher, e nenhum
aparentava ascendência latina.
Depois da escolha dos jurados, a promotora começou a
apresentação de seu caso, com
uma descrição detalhada do dia
em que Jean Charles foi morto.
Ela contou como o brasileiro
deixou sua casa num subúrbio
de Londres, às 9h33 da manhã,
pegou um ônibus, saltou em
uma estação de metrô (Brixton), viu que ela estava fechada,
voltou ao ônibus, seguiu para
outra (Stockwell) e acabou
morto logo depois de entrar no
vagão, ainda com o jornal grátis
que havia acabado de pegar.
Em sua explanação, Montgomery usou uma série de imagens das milhares de câmeras
de TV que vigiam Londres,
com registros de Jean Charles
em quase todos os pontos, seguido por policiais de várias
unidades da polícia britânica.
Todo o julgamento será com
base numa lei de 1974, a Lei de
Saúde e Segurança no Trabalho, que, em linhas gerais, estabelece que os cidadãos não podem ser expostos a riscos à sua segurança ou à sua saúde durante o trabalho de agentes do
governo.
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