São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Eleito deve influenciar Suprema Corte


Idade e saúde dos atuais juízes devem facilitar eventuais trocas

Membros da corte têm o poder de interferir no futuro do país



CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM WASHINGTON

A Suprema Corte nos Estados Unidos desempenha papel fundamental na definição de políticas públicas. Ela julga poucos casos, em comparação com o Supremo Tribunal Federal brasileiro, mas suas decisões têm conseqüências sociais de longo prazo, como a que determinou o direito de aborto em 1973, no caso Roe vs. Wade.
Por isso, uma das mais importantes atribuições constitucionais do presidente americano é a de nomear os juízes desse tribunal, que não precisam se aposentar ao atingirem determinada idade como no Brasil (aos 70 anos).
A atual Suprema Corte dos EUA está junta há dez anos. É o mais longo período de uma só composição do tribunal desde 1823. George W. Bush não indicou nenhum juiz. Nos últimos 104 anos, só dois presidentes passaram um mandato inteiro sem alterar a Suprema Corte: Jimmy Carter e Franklin Roosevelt. (Mas Roosevelt nomeou nove juízes em outros três mandatos.)
Quem estiver na Casa Branca entre 2005 e 2009 terá, com quase absoluta certeza, a chance de mexer pelo menos uma vez, talvez mais, na Suprema Corte. E este é apenas um dos motivos por que a eleição de hoje é tão decisiva.
Só um dos nove juízes (Clarence Thomas, 56) tem menos de 65 anos. Dois (o presidente, William Rehnquist, 80, que há poucos dias revelou ter câncer, e John Paul Stevens, 84) são octogenários. As duas mulheres, Sandra Day O'Connor, 74, Ruth Bader Ginsberg,69, têm saúde frágil, assim como o mais conservador de todos, Antonin Scalia, 68.
É muito provável que pelo menos quatro decidam se aposentar nos próximos quatro anos. E como a Corte, a exemplo do país inteiro, está dividida praticamente ao meio, qualquer alteração vai implicar diferença fundamental na balança do poder.
Ainda mais porque os juízes da Suprema Corte, além de sua tradicional função de balizadores da sociedade, em 2000 foram os supereleitores do país e deram a Bush polêmica vitória que as urnas não haviam deixado clara.
A contestada apuração do Estado da Flórida, que deu vantagem de 537 votos a Bush, foi aprovada por cinco votos a quatro na Corte. Se algo parecido ocorrer este ano e Rehnquist não puder estar presente por razões de saúde, ocorrerá empate, que jogará o pleito em limbo ainda mais profundo que o de quatro anos atrás e dará a qualquer vitorioso legitimidade ainda mais duvidosa.
Por todos esses motivos, o eleitor americano deveria colocar os critérios dos dois candidatos para as indicações à Suprema Corte entre as razões fundamentais para a sua escolha entre Bush e John Kerry.
O atual presidente tem deixado muito claro como decidirá quando tiver que nomear um juiz. Em todas as indicações para magistrados federais de cortes superiores, Bush tem sempre escolhido conservadores que interpretam a Constituição de maneira estrita.
Ele parece não se incomodar com a perspectiva de enfrentar batalhas complicadas no Senado (que precisa confirmar a indicação do presidente), do mesmo modo como Ronald Reagan, que sofreu rara derrota quando nomeou Robert Bork em 1987 e seu pai, que quase perdeu indicar Clarence Thomas em 1991.
Nada menos do que um quinto das nomeações de George W. Bush para tribunais federais de recursos sofreram bloqueios da oposição no Senado (que atualmente tem 51 republicanos e 49 democratas).
Kerry, ao contrário, tende a indicar juízes de perfil mais liberal. Com certeza, ele não vai escolher ninguém que tenha se manifestado favorável à revisão do direito de aborto. Diversas vezes ele manifestou clara e inequivocamente sua disposição nesse sentido.
É quase certo que ou Bush ou Kerry indique um hispânico, o primeiro na história, para a Suprema Corte. Os hispânicos são a minoria étnica que cresce mais rapidamente nos EUA e em alguns anos serão a mais numerosa. Há vários juristas hispânicos conservadores e liberais qualificados para a posição.
Quem venha a ganhar o privilégio de pertencer à Suprema Corte terá diante de si a chance de moldar o futuro dos EUA, como fizeram seus antecessores. Assuntos como aborto, ação afirmativa, separação entre Igreja e Estado, confronto entre poder federal e dos Estados, entre outros, serão resolvidos por eles.

Carlos Eduardo Lins da Silva, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas.


Texto Anterior: Flórida vota sob o "olhar do mundo"
Próximo Texto: Ansiedade dos eleitores vira caso para a medicina
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.