São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OLHAR BRASILEIRO

O fator medo

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO


Kerry apontou o vídeo de Bin Laden como prova do fiasco da guerra antiterror. Sabe-se, contudo, que a tensão externa faz o jogo de Bush


Na eleição presidencial iniciada hoje nos Estados Unidos, com horário para terminar a votação, mas sem data previsível para os resultados oficiais, as tendências se equilibram. Perdeu tempo quem perscrutou o noticiário para obter um prognóstico seguro sobre as eleições mais incertas, mais polarizadas e com o maior número de eleitores inscritos dos últimos anos.
Não obstante é possível observar dois registros importantes, embora contraditórios. As pesquisas de intenção de voto mostram que Bush guarda um pequeno avanço sobre Kerry. Porém, comparada aos outros pleitos presidenciais, a aprovação obtida por Bush é muito baixa para um pretendente à reeleição. Diante disso, vale mais sublinhar a especificidade da eleição.
A irrupção do vídeo de Bin Laden na campanha lembrou um fato decisivo: a longevidade da tensão gerada pelo terrorismo. A Guerra do Iraque dura mais que o envolvimento dos EUA na Primeira Guerra Mundial.
Do mesmo modo, o tempo que separa os ataques de 11 de setembro de 2001 das eleições de hoje é só três meses menor do que o período entre o ataque à base de Pearl Harbor e o dia da vitória na Segunda Guerra Mundial. Além disso, Bin Laden continua solto e bem falante, três anos depois de Bush ter declarado que iria capturá-lo "morto ou vivo".
Certos jornais chamam a ansiedade reinante de "fator medo", nome de um "reality show" americano. Kerry apontou o vídeo de Bin Laden como prova do fiasco da guerra antiterror do governo. Sabe-se, contudo, que a tensão externa faz o jogo de Bush, considerado o candidato mais preparado para defender o país.
Isso explica as declarações assustadoras de Dick Cheney, dizendo, há duas semanas, que o país podia ser alvo de um ataque nuclear, ameaçando a vida de "centenas de milhares de americanos".

Religião
Isso também explica o remapeamento do voto religioso, outro fato novo. Há, nos EUA, 158 milhões de cristãos, 6 milhões de judeus, 3 milhões de muçulmanos e 1 milhão de adeptos de outras religiões. No entanto os cultos religiosos se expandem, invadindo os locais de trabalho, onde funcionários organizam orações coletivas.
Excetuando-se os cristãos negros, que optam maciçamente por Kerry, a maioria dos eleitores com religião praticante prefere Bush. Mesmo os católicos brancos, geralmente próximos dos democratas, declaram voto em Bush.
Pesquisas divulgadas ontem mostram dados preocupantes. Metade dos americanos ainda duvida da legitimidade da vitória de Bush em 2000, pensa que a contagem de votos será trapaceada e está "assustada" com a eventual vitória do outro candidato.
Isso tudo antes de a eleição começar, antes do deslanche de ações judiciais contestando o pleito em regiões onde foram apontadas manipulações. Como se vê, o fator medo terá vários desdobramentos nos próximos meses nos Estados Unidos.

Luiz Felipe de Alencastro é professor titular da Universidade de Paris Sorbonne, pesquisador visitante da Universidade de Brown (EUA) e autor de "Trato dos Viventes", Companhia das Letras, 2000.


Texto Anterior: On the road: No Sul Profundo, patos, tigres e uma Flórida dividida em três
Próximo Texto: Oriente Médio: Atentado suicida mata três em Tel Aviv
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.