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Classe média russa cresce e agradece ao Kremlin
Renda per capita aumentou dez vezes sob Putin, mas disparidades são grandes
País tem 130 mil milionários e 53 com US$ 1 bi; contra petrodependência, governo lança espécie de PAC para atrair investimento privado
DO ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
Em março de 2000, poucos
dias antes da eleição que confirmou Vladimir Putin como
presidente da Rússia, a rede
sueca de móveis Ikea abriu sua
loja em Moscou, um dos primeiros sinais de recuperação
econômica após o baque da crise que afundou o país em 1998.
O barril de petróleo custava
menos de US$ 30.
A Ikea fica na zona noroeste
da capital russa, perto dos dois
terminais do aeroporto Sheremetievo. Em 2000, parecia um
galpão isolado, e seus clientes
eram mais curiosos do que
compradores. Quase oito anos
depois, tudo mudou. Um shopping, adequadamente chamado
de Mega, cresceu e envolveu a
Ikea, quase comendo o monumento onde as forças nazistas
foram paradas pelos soviéticos
em 1941 -a 30 km do Kremlin.
Hoje o barril bate nos US$
100, a Rússia consolidou sua
posição como segundo maior
produtor de petróleo mundial e
o maior de gás natural. Segundo a consultoria e corretora
Uralsib, há 130 mil milionários
russos, 80% deles na região metropolitana de Moscou. A lista
da revista "Forbes" põe 53 russos com mais de US$ 1 bilhão;
nenhum país tem mais ricaços.
Luxo e disparidade
Pode-se dizer que a renda
média mensal do russo cresceu
dez vezes de 1999 para cá, mas
isso também significa que ela
passou para apenas US$ 550.
Ou que agora existe uma classe
média, que segundo o Ministério da Economia representa
25% dos 142 milhões de russos.
Sete anos atrás, eram 10%, mas
ainda estão longe dos 60% em
média da Europa Ocidental.
Entre esses 25% de pessoas
está Lyubov Semenova. "Adoro
vir para ter idéias para casa",
disse essa consultora de marketing de 32 anos, que passeava
pela Ikea na quinta passada
-sem comprar nada. Ela ganha
o equivalente a R$ 5.000 mensais e mora em um apartamento comprado na zona norte de
Moscou. Não tem carro. "Não
daria para morar no centro,
mas o metrô é ótimo."
O centro tem alguns dos aluguéis mais caros do mundo. Na
gloriosa rua Tverskaia, centro
de vida social desde a época dos
czares e que desemboca no
Kremlin, pode-se achar preços
que vão de US$ 5.000 até astronômicos US$ 75 mil mensais.
"Para mim, o conceito de
classe média é bem estranho na
Rússia. É algo muito recente. A
era Putin erradicou a pobreza
extrema, eu diria, mas ainda há
milhões que vivem com entre
US$ 5 e US$ 10 por dia", afirma
Katya Malofeeva, analista da
corretora Renaissance Capital,
gigante do ramo no país.
Segundo a maior seguradora
russa, Rosgosstrakh, a diferença entre o que ganham os 10%
mais ricos e os 10% mais pobres está em 25 vezes. A base
da pirâmide é visível na periferia de Moscou, mas principalmente nas distantes regiões do
maior país do mundo.
A leste dos Urais
A região ao leste dos Urais é
um grande vazio: 120 milhões
dos 142 milhões de russos vivem na parte "européia" do
país, a oeste dos majestosos
montes. "O interior está muito
mal", afirma Malofeeva, "e as
pessoas estão saindo ou morrendo nas ruas, basta ver a queda demográfica". A Rússia perdeu quase 4 milhões de habitantes desde 1999. Um estudo
recente da Academia Russa de
Ciências apontou que cerca de
20 milhões de pessoas vivem
em indigência, nas ruas do país.
O quadro é heterogêneo, mas
deve ser considerado positivo.
O PIB per capita, ainda que
comporte todas as distorções
da injustiça social, subiu de
US$ 1.343 em 1999 para US$
8.450 em 2007 -o Brasil está
em US$ 5.700, segundo o IBGE.
Mas se Putin foi nomeado o
"czar de US$ 1 trilhão", que é a
cifra de quanto o país ganhou
com o petróleo e o gás no seu
governo, os riscos de problemas à frente devido a essa dependência são muito grandes.
"É meio como uma corrida
entre um cavalo e um jumento.
O cavalo é movido pelo gás e pelo petróleo e representa o crescimento. Já o jumento está carregando os suprimentos, que
são reformas legais, da indústria, e está se esforçando para
conseguir ficar no páreo", compara Chris Weafer, estrategista-chefe da Uralsib.
Ele sustenta que Putin fez o
mais difícil, que foi colocar ordem na casa. O crescimento está em asiáticos 7,3%.
Como no Brasil
Mas, como concordam Weafer e Malofeeva, o risco de se viciar em petróleo caro é grande.
O dinheiro entra, distribui-se
algo dele, e os fundamentos
econômicos vão para o espaço.
Assim, enquanto o rublo se fortalece, travando as exportações, na vida real a inflação vira
o tema central de preocupação.
"Nada preocupa mais o russo",
sentencia Malofeeva.
Outro problema de fundo é a
indústria do país. Chris Weafer
sustenta que Putin usou seus
dois primeiros mandatos para
reorganizar o setor. O que foi
considerado estratégico, como
energia e defesa, foi devidamente reestatizado.
Segundo Weafer, o que irá
acontecer a partir de 2008 é a
indução do Estado nesses setores. Uma espécie de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) local, visando atrair capital estrangeiro ou doméstico
para os 49% de ações que as
empresas controladas pelo
Kremlin dispõem ao público e
para parcerias.
Mais investimento, busca de
estabilidade, reformas de base,
melhoria na infra-estrutura
pobre -parece o glossário econômico brasileiro.
Tudo isso aliado à versão local do Bolsa Família, que é o aumento nas pensões. Haverá um
em dezembro, de 15%. Como
entre 15% e 25% das famílias do
país dependem desses subsídios, segundo a Rosgosstrakh,
não é uma ajuda desprezível.
Com todos seus artificialismos e riscos, a economia ajuda
a compreender o apoio quase
unânime que Putin parece receber. "Para os investidores, é
melhor que Putin mantenha as
rédeas", diz Weafer. Resta saber se isso será melhor para
Lyubov -que, aliás, hoje votará
no partido de Putin.
(IGOR GIELOW)
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