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Oposição e Evo Morales travam luta de desgaste
Radicalização mantém "empate catastrófico"
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
"Quer dizer que, além de
mentir para a gente, ainda nos
roubam?", pergunta uma moça
ao taxista. Assim termina a propaganda do governo de Evo
Morales, estreada nesta semana, que acusa os empresários de
Santa Cruz, líderes da oposição
no rico leste boliviano, de especular e causar a inflação que
chega aos 11,34% em 12 meses.
Muda-se de canal e lá está,
numa TV cruzenha, um spot do
setor agrário local, que acusa o
governo de causar a alta nos
preços por não ter planejado a
demanda de diesel -há filas para consegui-lo em Cochabamba
e Santa Cruz, duas das principais cidades bolivianas.
"A Bolívia sabe quem está
causando a violência", é a única
frase comum nos dois lados.
Neste cenário, o país começa
a semana na expectativa da
reunião com todos os governadores, marcada para terça-feira
pelo presidente Evo Morales.
Mas o jornal "La Razón" diz
que os líderes de Santa Cruz,
Tarija, Pando e Beni e Cochabamba programam amanhã
viagem à ONU (Nova York), para reclamar das "violações à democracia" pelo governo.
"O presidente vai estar sentado à mesa esperando os líderes democráticos", disse o vice-presidente Álvaro García Linera. Se Morales ficar sozinho na
fotografia, poderá dizer que
tentou se aproximar dos governadores rebeldes.
A favor do governo joga também a oposição radical de governadores como o de Pando
(72 mil habitantes), cujas declarações ameaçando a população caso não participem de protestos anti-Morales foram divulgadas. Ou ainda as dirigidas
pelo prefeito da cidade de Santa
Cruz à população: "Ou estão conosco ou com o governo".
Do seu lado, a oposição poderá dizer que o chamado de Morales é um teatro por nem colocar na agenda as demandas departamentais: recuo do governo na aprovação do texto geral
da nova Constituição e revisão
da lei que distribuirá benefícios
a idosos, mediante redução dos
repasses às regiões.
Enquanto isso, o principal
partido opositor, o Podemos,
tenta se manter vivo na disputa
histórica entre governos e regiões e insiste numa improvável mediação da Igreja Católica
para retomar as votações da Assembléia Constituinte, ainda
sem data ou lugar para voltar a
funcionar (o prazo para concluir os trabalhos é dia 14).
Empate catastrófico
A expressão gramsciana
"empate catastrófico" de forças
foi consagrada pelo hoje vice
García Linera, em 2003, para
descrever a situação do país, dividido então entre os conservadores com apoio regional e uma
esquerda ainda em gestação,
cenário em que ninguém tinha
capital político para se impor
ou disposição de negociar.
A idéia do governo era a de
que o impasse tivesse sido resolvido com a eleição de Morales em 2005, com 54% dos votos. Quase dois anos depois, porém, o mapa político mudou
pouco. Pesquisa divulgada na
sexta pelo instituto Ypsos mostrava queda na popularidade de
Morales, de 62% em outubro
para 52%. O presidente é bem
visto por 72% na cidade de La
Paz, mas só por 23% na cidade
de Santa Cruz.
A pesquisa, feita nas principais zonas urbanas, não dá um
retrato completo, já que o apoio
do governo é maior no campo.
Por ora, os dois lados pretendem apenas arrastar a situação
para desgastar o adversário.
"Mais do que buscar o golpe ou
coisas do tipo, a direita aposta
no desgaste do governo e em
moderar as reformas até que
cheguem tempos melhores
-hoje ninguém pensa em revoluções para sempre, mas em ficar o maior tempo possível no
poder", disse à revista "TalCual" o investigador social ligado à esquerda Pablo Stefanoni.
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