São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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Oposição e Evo Morales travam luta de desgaste

Radicalização mantém "empate catastrófico"

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

"Quer dizer que, além de mentir para a gente, ainda nos roubam?", pergunta uma moça ao taxista. Assim termina a propaganda do governo de Evo Morales, estreada nesta semana, que acusa os empresários de Santa Cruz, líderes da oposição no rico leste boliviano, de especular e causar a inflação que chega aos 11,34% em 12 meses.
Muda-se de canal e lá está, numa TV cruzenha, um spot do setor agrário local, que acusa o governo de causar a alta nos preços por não ter planejado a demanda de diesel -há filas para consegui-lo em Cochabamba e Santa Cruz, duas das principais cidades bolivianas.
"A Bolívia sabe quem está causando a violência", é a única frase comum nos dois lados.
Neste cenário, o país começa a semana na expectativa da reunião com todos os governadores, marcada para terça-feira pelo presidente Evo Morales. Mas o jornal "La Razón" diz que os líderes de Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni e Cochabamba programam amanhã viagem à ONU (Nova York), para reclamar das "violações à democracia" pelo governo.
"O presidente vai estar sentado à mesa esperando os líderes democráticos", disse o vice-presidente Álvaro García Linera. Se Morales ficar sozinho na fotografia, poderá dizer que tentou se aproximar dos governadores rebeldes.
A favor do governo joga também a oposição radical de governadores como o de Pando (72 mil habitantes), cujas declarações ameaçando a população caso não participem de protestos anti-Morales foram divulgadas. Ou ainda as dirigidas pelo prefeito da cidade de Santa Cruz à população: "Ou estão conosco ou com o governo".
Do seu lado, a oposição poderá dizer que o chamado de Morales é um teatro por nem colocar na agenda as demandas departamentais: recuo do governo na aprovação do texto geral da nova Constituição e revisão da lei que distribuirá benefícios a idosos, mediante redução dos repasses às regiões.
Enquanto isso, o principal partido opositor, o Podemos, tenta se manter vivo na disputa histórica entre governos e regiões e insiste numa improvável mediação da Igreja Católica para retomar as votações da Assembléia Constituinte, ainda sem data ou lugar para voltar a funcionar (o prazo para concluir os trabalhos é dia 14).

Empate catastrófico
A expressão gramsciana "empate catastrófico" de forças foi consagrada pelo hoje vice García Linera, em 2003, para descrever a situação do país, dividido então entre os conservadores com apoio regional e uma esquerda ainda em gestação, cenário em que ninguém tinha capital político para se impor ou disposição de negociar.
A idéia do governo era a de que o impasse tivesse sido resolvido com a eleição de Morales em 2005, com 54% dos votos. Quase dois anos depois, porém, o mapa político mudou pouco. Pesquisa divulgada na sexta pelo instituto Ypsos mostrava queda na popularidade de Morales, de 62% em outubro para 52%. O presidente é bem visto por 72% na cidade de La Paz, mas só por 23% na cidade de Santa Cruz.
A pesquisa, feita nas principais zonas urbanas, não dá um retrato completo, já que o apoio do governo é maior no campo.
Por ora, os dois lados pretendem apenas arrastar a situação para desgastar o adversário. "Mais do que buscar o golpe ou coisas do tipo, a direita aposta no desgaste do governo e em moderar as reformas até que cheguem tempos melhores -hoje ninguém pensa em revoluções para sempre, mas em ficar o maior tempo possível no poder", disse à revista "TalCual" o investigador social ligado à esquerda Pablo Stefanoni.


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