São Paulo, domingo, 03 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crack vale mais que ouro em garimpos isolados

DOS ENVIADOS A BENZDORP

O vício do crack em Benzdorp levou a droga, um subproduto da cocaína considerado impuro (e por isso mais barato), a valer mais do que ouro.
O preço médio de um grama de crack, suficiente para fumar até quatro "pedras", é dois gramas de ouro (cerca de R$ 105). Mas há locais mais isolados do garimpo em que a cotação sobe para três gramas de ouro por grama de crack.
No centro de São Paulo, por exemplo, um grama de crack sai por no máximo R$ 40.
Mesmo com o inusitado fenômeno macroeconômico, moradores da região do garimpo falam em uma "epidemia" de viciados. É difícil considerar isso um exagero. Em dois dias circulando pelo garimpo, a reportagem da Folha viu ao menos uma dezena de pessoas, brasileiros ou surinameses, claramente sob efeito da droga, sem nenhuma preocupação com a possibilidade de repressão das autoridades.
M., um usuário brasileiro que trabalha em um supermercado e não quis se identificar, diz que não há fiscalização por parte da polícia. "O consumo aqui é livre", afirmou ele.
A droga vem de avião de Paramaribo (a capital do Suriname), trazida, segundo brasileiros, por "morenos", como são chamados por lá os surinameses que descendem de escravos negros.
A procedência é colombiana na maioria das vezes, e a droga entra no Suriname após passar pelo Caribe. As fronteiras da região são consideradas porosas. O controle aduaneiro é praticamente inexistente.
Na região do garimpo de Benzdorp, são apenas nove policiais fazendo a segurança. Muitos moradores afirmam que eles fazem vista grossa para o consumo e que alguns até participam do tráfico.
É fácil encontrar um ponto de venda ou uma boca de fumo. O isolamento geográfico ajuda a elevar o preço, e a demanda é alta, turbinada por outra epidemia local: a depressão.
"A saudade de casa e a falta de contato com os filhos deixa muitas pessoas desesperadas. O refúgio é o crack", diz o pastor brasileiro Herbert Leitão.
Dentro do garimpo, existe um subgrupo especialmente afetado: o dos "burrinhos". É deles o trabalho mais sofrido: carregar até 60 quilos de mantimentos nas costas por quilômetros mata adentro, abastecendo de mercadorias os garimpeiros que vivem isolados pela área.

Tentação
Não há sistema de saúde em Benzdorp, e menos ainda atendimento especializado para dependentes de drogas. Muitos acabam recorrendo às igrejas evangélicas.
"A tentação aqui é muito grande. Você acha um ou dois gramas de ouro e já pula um monte de mulher e traficante em cima. É muito fácil gastar tudo de uma vez", diz P., um paraense que foi viciado por quatro anos e diz ter parado após se tornar membro da Assembleia de Deus.
O tráfico de drogas na região tem gerado um surto de violência. Assaltos a supermercados (mantidos na região por chineses) têm sido mais frequentes. Há um mês, numa tentativa frustrada, criminosos deixaram dois buracos de bala na porta de um estabelecimento.
Para evitar novas ocorrências, os proprietários passaram a usar seguranças com armamento pesado na entrada de seus supermercados. (FZ e AV)


Texto Anterior: "Se ficasse no Brasil, ia morrer de fome", afirma ex-doméstica
Próximo Texto: Análise: Insulamento pesa contra brasileiros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.