São Paulo, domingo, 03 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Insulamento pesa contra brasileiros

MARJO DE THEIJE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ninguém estava preparado para uma tragédia como esta em Albina. O Suriname é orgulhoso de ser um país no qual muitas raças convivem pacificamente, como demonstram a mesquita e a sinagoga lado a lado no centro da capital. No entanto, Albina aconteceu. E a sociedade espera explicações.
Estima-se que três quartos dos mineiros artesanais na região de Albina, ou melhor, Papatam, sejam brasileiros -o outro quarto é formado por maroons, a tradicional população da maior parte do interior do Suriname. Juntas, as duas populações dominam o transporte pelos rios e quase todo comércio informal ligado ao garimpo -a exceção são os supermercados de chineses que vêm crescendo nos últimos anos.
No interior, brasileiros e maroons compartilham o território sem grandes problemas. Muitos maroons falam português por terem vivido e trabalhado por muitos anos para brasileiros. Há relacionamentos mistos e crianças nascidas deles. Todo mundo escuta a mesma música (brasileira, mas também reggae surinamês) e vê os mesmos programas brasileiros na televisão.
Como todos sabem dessa harmoniosa sociabilidade, os acontecimentos de Papatam foram recebidos com incredulidade e choque. A parte mais impressionante é provavelmente o suposto estupro de até 20 mulheres.
As ruas de Paramaribo estão dominadas por comentários que condenam a violência -especialmente contra mulheres- e os saques. Mas, ao mesmo tempo, a comunidade brasileira é criticada por não se integrar à sociedade surinamesa.
Os brasileiros não aprendem as línguas locais e a "Pequena Belém", no norte da capital, é exatamente o que nome sugere: um bairro 100% brasileiro.
Como a maioria dos surinameses jamais pôs os pés num garimpo, a opinião deles sobre os brasileiros é baseada nessas observações isoladas.
Até recentemente, a maioria dos brasileiros não tinha visto ou licença para trabalhar nas minas de pequeno porte, e por isso eram rotulados de "ilegais" e "criminosos". Acima de tudo isso, está o fato de que a sociedade do Suriname acredita que os brasileiros vêm para "levar o ouro embora".
Embora se possa argumentar que a maior parte do lucro com o garimpo é investido no país, e que as minas de pequeno porte são muito importantes para a economia local (12,6% da população do Suriname depende delas, ver www.artisanalmi ning.org), a ideia de que esses estrangeiros vêm para levar as riquezas do país é persistente.
Isso não explica o ataque da véspera de Natal em Papatam, mas, certamente, é parte importante da formulação das justificativas.


Marjo de Theije é doutora em antropologia social e cultura e professora associada da Universidade de Amsterdã e está no Suriname


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