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A MORTE DO PAPA
ARTIGO
O homem e o papa
CARLOS HEITOR CONY
COLUNISTA DA FOLHA
Em livro recente , publicado em 1978, logo após o segundo conclave daquele ano, o sociólogo norte-americano Andrew M. Greeley fez o perfil do papel atual de um papa, do que se esperava de um papa e, até certo
ponto, do que um papa precisa.
"Um líder religioso", disse Greeley, "tem grande poder sobre os
acontecimentos, precisamente
por apelar para o que existe de nobre na natureza humana".
À falta de lideranças efetivas, carismáticas ou não, todos sentimos
(e os órgãos de comunicação foram os primeiros a detectar essa
necessidade) que o palco estava
preparado para o surgimento de
um grande ator, de um grande
personagem que faltava ao mundo. Esse personagem poderia ser
um presidente dos Estados Unidos, um primeiro-ministro da então União Soviética, um cientista
notável que abrisse novos caminhos para a humanidade. Mas as
perspectivas estavam sombrias
em matéria de liderança. Os Estados Unidos não souberam arranjar uma solução para o binômio
Carter-Reagan. A ex-União Soviética mantinha um funcionário
categorizado para substituir Brejnev: mudava-se o parafuso, mas a
máquina continuava.
No setor da ciência, tirante esparsos investimentos na área da
saúde e da tecnologia, o grosso estava concentrado no desenvolvimento do equipamento bélico.
Então, a pergunta: por que a igreja
não daria ao mundo, mais uma
vez, um grande papa?
Muitos deles se tornaram notáveis como políticos e diplomatas,
dirimiram questões delicadas no
cenário mundial, aliviaram tensões através de gestões muitas vezes sigilosas. Mas esse papel político-diplomático foi perdendo
importância, esvaziando-se mais
e mais. Afinal, como dizia Stálin, o
papa não tem divisões de infantaria e artilharia nem dispõe de arsenal atômico. Mas, acentuava
Greeley, "paradoxalmente, foi o
fato de perder o seu tradicional
papel político e diplomático que
acabou valorizando o papa perante os donos temporais da Terra: a liderança religiosa, pura e
simples, acabou por ter enorme
impacto político".
Mais adiante: "O próximo papa
estará na casa da maior parte das
famílias. Será visto, pessoalmente,
por muitas famílias a mais. Terá
um público que nunca outro líder
religioso em toda a história teve
igual. Hesitante ou a contragosto,
terá que usá-lo. Até que ponto o
novo papa possuirá ou não essas
qualidades será percebido claramente pelo povo, por mais povo
do que nunca, e terá sobre o povo
um impacto fortíssimo".
João Paulo 2º teve o seu retrato
falado bem antes de sua eleição.
Seu visual, sua virilidade, sua estudada postura de ex-ator que
compreende a importância da expressão corporal, estariam colocadas a serviço de uma tarefa
"full-time": ser papa.
Sua piedade não era carola, vulgar, seu conhecimento do mundo
não era livresco, apesar de ser um
"scholar", doutorado no Angelicum, de Roma, tendo defendido
tese sobre Max Scheler e a fenomenologia de Husserl. Sua fé trazia a marca de um grande testemunho. Vindo da Igreja do Silêncio, nenhum outro homem falaria
tanto ao mundo. E, ao mesmo
tempo, nunca um homem da Terra falou tanto do homem que não
é só desta Terra.
No vazio das lideranças, no espaço que a era eletrônica tornou
definitivamente maior e instantâneo, a igreja mais uma vez assumia uma "pole position", saindo à
frente com seu colorido, vigoroso
e inesperado chefe. Repetindo
uma fase do passado, a igreja parecia penetrar em Nova Renascença, uma Renascença Eletrônica, com uma volta ao passado,
mas, ao mesmo tempo, com um
arsenal moderno. E o mundo,
querendo ou não, descobria que
estava obrigado a se ocupar e
preocupar com ela. Em pouco
tempo de pontificado, a personalidade de Karol Wojtyla demonstrava que não entrara na história
para ser apenas um nome na lista
do Anuário Pontifício e um verbete nas enciclopédias. Os desafios que teve pela frente foram cada vez mais dramáticos. Independente do curso de sua atuação pública, como líder religioso e como
estadista. Logo revelaria o bastante: ele saberia encontrar o homem
na sua nudez de barro e no seu sopro de eternidade.
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