São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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CLÓVIS ROSSI

O crime ataca a democracia


Nem mesmo as Forças Armadas estão sendo capazes de vencer guerra contra cartéis de drogas


O PRESIDENTE MEXICANO, Felipe Calderón, foi o primeiro a dar o alarma: o crime organizado "é uma ameaça permanente e pretende impor suas regras". Foi em seguida ao assassinato, no fim de junho, do candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional) ao governo do Estado de Tamaulipas. O PRI governou o México durante 70 anos, até a eleição no ano 2000 de Vicente Fox, do conservador PAN (Partido de Ação Nacional, o mesmo de Calderón).
O jornal "Reforma", independente e um dos mais combativos do México, ecoou logo, em raro editorial na capa: depois de denunciar "uma clara cumplicidade entre políticos e cartéis", perguntava se "tem sentido celebrar eleições quando há um poder de facto que impõe sua vontade à vontade da cidadania".
É nesse ambiente de clara guerra entre o Estado e o crime organizado que o México vai às urnas no domingo, para eleger 12 governadores.
O que torna ainda mais incômoda a pergunta do "Reforma" é o fato de que Calderón, logo que assumiu em 2006, chamou o Exército para ajudar no combate ao crime organizado -clara evidência de que já havia, quatro anos antes, a situação de emergência que o assassinato em Tamaulipas tornou mais evidente.
Como escreveu o jornal espanhol "El País", a mensagem enviada pelo assassinato "está muito clara: ninguém mais está seguro no México. Os chefes da droga não somente estão em guerra por territórios, mas também pugnam por colocar seus respectivos candidatos na cúpula do poder político. Com dinheiro ou com chumbo, como chegou a reconhecer o próprio Calderón".
Significa dizer que o Exército também perdeu a batalha contra o crime organizado, que a polícia sozinha não conseguia enfrentar? Não é uma questão que permita resposta simples, na base de "sim" ou "não".
O que é evidente é um grau de violência inaudito: nos quatro anos do governo Calderón, 23 mil pessoas foram mortas no México, 90% delas membros dos cartéis que disputam territórios e poder não apenas entre si mas também contra o Estado.
Pior: não é um quadro restrito ao México. O governo de El Salvador acaba de alocar 40% de seus efetivos militares para ajudar a polícia.
Detalhe: o México é governado por um conservador, aos quais a sabedoria convencional atribui mais facilidade para recorrer à mão dura. Já o presidente salvadorenho, o jornalista Maurício Funes, é da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, que enfrentou o Exército durante a guerra civil dos anos 80.
Funes disse à Folha que o uso dos militares no combate ao crime não é uma questão de direita ou de esquerda. Trata-se simplesmente de uma necessidade para um governo que, como diz Funes, "herdou uma polícia com orçamento pequeno e infiltrada pelo crime organizado em algumas de suas áreas".
No Brasil, em que são válidas praticamente todas as avaliações acima, vez por outra surge um tímida discussão sobre o uso das Forças Armadas no combate ao crime. Pode-se até alegar que a ameaça à democracia não chega a tanto no Brasil. Pode ser. Mas os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo, há quatro anos, não são igualmente uma tentativa de um "poder de facto" de impor sua vontade à cidadania? Vamos esperar a "mexicanização/salvadorização" do Brasil para enfrentar o desafio posto pelo crime organizado?


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