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MINHA HISTÓRIA MATTHEW KATKA, 21
Marcas da guerra
Ouvia as balas passando perto de mim, e tudo parecia estar em câmera lenta Tudo está bem, estou vivo. Tem muita gente pior do que eu. Sou um dos sortudos Primeiro voltei a falar. Depois demorei uns sete meses para ler de novo
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RESUMO
Matthew Katka é 1 de mais de 2.000 veteranos do Iraque e do Afeganistão com lesões cerebrais decorrentes de concussões repetidas ou tiros
que passaram pelo hospital militar Walter Reed, em
Washington.
Epicentro do atendimento a militares nos
EUA, o Walter Reed é especializado também em soldados amputados -1.024
desde 2001- e que sofrem
de síndrome do estresse
pós-traumático. Este último problema, segundo o
próprio centro de saúde,
afeta em graus variados
100% dos veteranos.
A Folha visitou o Walter
Reed, de acesso ultrarrestrito, no mês passado. O
centro fecha as portas em
setembro, transferindo
serviços para dois outros
hospitais da região.
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Desde pequeno sempre
pensei que seria legal entrar
para o Exército, mas não sabia se faria isso mesmo. Aí
precisei de dinheiro para ir
para a faculdade e pensei
que seria uma boa forma de
conseguir. E poderia sair um
pouco de casa e ver o mundo.
Já estou nas Forças Armadas
há dois anos e meio.
Como soldado de infantaria, fui enviado ao Afeganistão em janeiro de 2009, para
a Província de Paktika (leste). Em 19 de julho, fui ferido
numa patrulha. Levei um tiro
na cabeça. A bala entrou por
baixo do capacete e arrancou
a parte de trás do meu crânio.
Me lembro de quase tudo
daquele dia. Apaguei por um
minuto ou dois, depois acordei e pensei, "uau, essa não
foi legal". Tentei me mover e
não consegui. Comecei a gritar por um amigo: "Ei, acho
que me acertaram". Ele respondeu: "Não consigo te ouvir, estão atirando na gente!
Atire de volta se conseguir".
Eu tentei, mas estava paralisado. Ouvia as balas passando perto de mim, e tudo
parecia estar em câmera lenta. Era tudo muito estranho,
mas de certa forma eu estava
em paz. "Se morrer aqui",
disse para mim mesmo, "vai
ser rápido e indolor, então tudo bem". E desmaiei de novo.
Estávamos no meio de
uma grande emboscada, então levou algum tempo até
que pudessem me retirar do
local. Fui levado para a base
de Bagram, onde induziram
um coma e tiraram fragmentos de osso da minha cabeça.
Demorou dois dias para
me levarem à base dos EUA
na Alemanha. Foi lá que
acordei, depois de uma semana e meia em coma, sem
saber onde estava.
SEM PALAVRAS
Eu não conseguia falar.
Não conseguia encontrar as
palavras. Quando estava
hospitalizado, lembro-me de
alguém dizer "dois" perto de
mim. Pouco depois, um médico me perguntou quanta
dor eu estava sentindo [em
escala de zero a dez] e eu só
conseguia repetir: "dois". Ele
disse: "Ah, você está ótimo!".
E eu pensava: "não, não, está
doendo muito!". Mas não
conseguia dizer nada.
A memória também ficou
prejudicada. Ficavam me
perguntando onde eu estava,
e eu só dizia: "Não faço nem
ideia, só quero dormir".
Também tenho um pouco
de estresse pós-traumático.
Tenho pesadelos. Mas não é
tão ruim assim.
Se a bala tivesse atingido
um centímetro mais para
dentro do meu cérebro, eu teria ficado cego e paraplégico.
Mas isso não aconteceu.
Quando contaram para a
minha mãe que eu havia sido
ferido na cabeça, ela disse:
"Ah, a cabeça dele é bem forte". Eu pratiquei esporte a vida toda e já tive várias concussões. Para ela a ficha não
caiu imediatamente. Quando
viu a gravidade da situação,
ficou arrasada.
Meus pais não entendiam
nada do que eu tentava dizer.
Começaram a levar um dicionário para o hospital e repetiam comigo o significado
das palavras.
Primeiro voltei a falar. Depois demorei uns sete meses
para conseguir ler de novo.
Ficava muito cansado e tinha
dores de cabeça. Hoje tenho
só às vezes, mas nem de longe tão fortes como antes.
Continuo com problemas
com a memória recente. A dificuldade de encontrar palavras vem e vai. Mas estou trabalhando nisso.
Outro problema é que perdi muito da minha visão periférica, então estou fazendo
exercícios específicos. Também fiz fisioterapia para tentar voltar à antiga forma. Tive
feridas nos pés que me deixaram imobilizado por quase
quatro meses. Andar de novo
deu bastante trabalho.
RETORNO
Se eu pudesse, voltaria para o Afeganistão. Mas provavelmente vou ter de sair do
Exército, porque não consigo
mais fazer o trabalho que fazia antes. Pretendo estudar
de novo e vou começar um
estágio no Departamento de
Estado em segurança diplomática. Tudo está bem, eu estou vivo. Tem muita gente
pior do que eu. Sou um dos
sortudos.
Jovens americanos feridos
e traumatizados em guerra
se multiplicam nos EUA
folha.com.br/mu776743
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