São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE AMEAÇA NUCLEAR

No Irã, Brasil e EUA parecem ter acertado

Apesar de Washington acenar com possibilidade de invasão militar, negociação parece opção mais provável


EFEITO ECONÔMICO DAS SANÇÕES INTERNACIONAIS ESTÁ NA RAIZ DAS CRÍTICAS A AHMADINEJAD EM SEU PRÓPRIO PAÍS


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DO FOLHA

É paradoxal, mas parece que tanto o Brasil como os Estados Unidos estavam certos em suas posições, embora opostas, em relação à questão nuclear iraniana.
Para entender o paradoxo, é preciso, antes de mais nada, baixar o volume da notícia mais recente e mais espetacular, qual seja o anúncio do general Mike Mullen, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, de que "a opção militar tem estado sobre a mesa e segue sobre a mesa".
Nenhuma novidade aí, a rigor. O próprio presidente Obama já havia dito, no mês passado, em entrevista à TV israelense, que "todas as opções estão sobre a mesa".
À parte os tambores de guerra, insinuados na fala de Mike Mullen, o fato é que a hora parece ser muito mais da negociação do que do confronto.
E negociação era justamente o cerne da posição brasileira, materializada no acordo alcançado em maio com o Irã (mais a Turquia) para o envio de urânio levemente enriquecido à própria Turquia, em troca do futuro recebimento de urânio enriquecido no teor necessário para o reator de pesquisas de Teerã, mas longe do indispensável para a bomba.
A hipótese de negociação não surge apenas da proposta do presidente Mahmoud Ahmadinejad de um diálogo televisionado, cara a cara, com seu colega Barack Obama, em plena Washington (ou Nova York), aproveitando a presença do iraniano na Assembleia Geral da ONU.
Aí, pode ser pura propaganda, desafio, bravata.
A negociação ficou delineada na semana passada.
E, para reforçar a impressão de que o Brasil estava certo ao insistir na negociação, ela começará exatamente a partir dos termos contidos em proposta das potências ocidentais apresentada em outubro ao Irã. Brasil e Turquia resgataram essa proposta e obtiveram o assentimento do Irã, que, até então, aceitava em um dia e fugia no dia seguinte.
Mas os EUA, que preferiram as sanções e, por isso, rejeitaram bruscamente a negociação, também podem ter sua cota de razão.
Ángeles Espinosa, correspondente de "El País" em Teerã, uma das raríssimas jornalistas ocidentais que conseguem trabalhar bem no Irã, relata que "as novas sanções internacionais começam a fazer dano ao Irã".
Cita o fato de que um mês depois de aprovadas as sanções pela ONU, "duas dezenas de grandes empresas internacionais já abandonaram a República Islâmica. A maioria está relacionada com o setor petrolífero, que proporciona 85% dos ingresso do país e enfrenta crescentes dificuldades para manter o nível de extração e o abastecimento de gasolina".

MONOPÓLIO DO PODER
É razoável imaginar que essa situação esteja na raiz de resmungos cada vez mais altos não da oposição a Ahmadinejad, mas de setores conservadores como o próprio presidente.
Relata o jornal "The National", dos Emirados Árabes Unidos, que o presidente "está sendo acusado de monopolizar o poder, atropelar o Parlamento, conduzir mal a economia e ser muito agressivo na política externa". Os críticos, sempre segundo o "National", dizem que, com tudo isso, Ahmadinejad está "temerariamente minando a República Islâmica".
Não quer dizer, com tudo isso, que a negociação vai prosperar. Mas quer dizer que a diplomacia brasileira ganha um novo espaço para tentar ser chamada à mesa, depois do, digamos, incidente pós-acordo de Teerã.


Texto Anterior: Minha História - Matthew Katka: Marcas da guerra
Próximo Texto: Defesa de iraniana teme ser tarde para ofertar asilo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.