São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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"Correa sai fortalecido no curto prazo"

Para economista Alberto Acosta, presidente do Equador tem de mudar "atitude autoritária" se não quiser crises

Ex-presidente da Constituinte avalia que há possível participação de setores políticos na revolta dos policiais

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Em curto prazo, Rafael Correa sai fortalecido do embate com os policiais rebelados, que não conseguiram apoio popular para derrubar o presidente equatoriano.
Mas crises semelhantes podem aflorar se Correa não mudar uma "atitude prepotente e autoritária" na relação com o Legislativo e os movimentos sociais.
É o que afirma o economista Alberto Acosta, ex-presidente da Assembleia Constituinte equatoriana (2008) e professor da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).
Acosta, considerado à esquerda do presidente, rompeu com ele porque queria prolongar a redação da nova Carta, com o argumento de torná-la mais democrática.
Mantém apoio crítico ao governo e se mobilizou contra a rebelião policial, em que vê tentativa de golpe.

 

Folha - Quais são as evidências de que houve tentativa de golpe?
Alberto Acosta -
Será preciso uma investigação. Mas há indícios de que não só a tropa policial como também oficiais da Polícia Nacional e setores políticos estavam envolvidos em conspiração.
Há informação da presença, nos focos de rebelião, de militares e policiais reformados, com trajes civis. A Sociedade Patriótica, do coronel [reformado] Lucio Gutiérrez [presidente de 2003 a 2005], está formada em boa medida por ex-militares e ex-policiais. Creio que houve uma tentativa desse setor de pescar em águas turbulentas.

Há risco de golpe militar?
A história do Equador se caracterizou por golpes militares, muitos provocados ou dirigidos por setores civis. E há um dado preocupante: no fim, a rebelião dos policiais fracassou porque as Forças Armadas resolveram apoiar o presidente. Temos de superar essa tutela.

Houve em algum momento dúvida de que o comando militar iria apoiar o presidente?
Não sei se houve dúvida, mas foi preciso que o comando militar se pronunciasse. Isso por si é grave, porque não se deveria esperar uma opinião do comando militar, apenas que cumprisse com seu mandato constitucional.

Houve apoio popular à rebelião policial?
Muito marginal. Grupos de extrema esquerda tentaram se mobilizar, mas não setores populares. Houve grupos [civis] pequenos, de pessoas próximas a Gutiérrez, como um advogado que, à frente de 20 pessoas, tentou tomar as emissoras públicas.

Desde 2009, Correa está em confronto com grupos indígenas, como a Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador). Qual foi a reação deles à rebelião?
Os indígenas mantiveram a dignidade, apesar de terem recebido pressões para se pronunciarem contra Correa, uma vez que estão insatisfeitos com o tratamento recebido do governo [militantes indígenas foram recentemente acusados de terrorismo].
É preciso ressaltar a posição da Conaie e em especial da Ecuarunari [confederação quéchua], que saíram em defesa da Constituição.

Quais serão as consequências políticas da rebelião?
Num primeiro momento, Correa aparentemente se fortaleceu. Ele vai tentar consolidar sua posição. Mas, se continuar governando como até agora, com uma atitude prepotente e autoritária, virando as costas a setores amplos da sociedade organizada, temo que possamos voltar a viver situações difíceis.
O golpe de Estado é injustificável, mas tento explicar por que aconteceu.
O próprio presidente disse que, ao conversar com representantes dos policiais, viu que eles não conheciam a lei [Orgânica do Serviço Público] que supostamente afetava seus interesses. Isso significa que os ministros de Correa não fizeram o trabalho de informar, dialogar.
Seu governo tenta impor leis sem discussão, e algumas vão contra a Carta, como a Lei de Mineração, a Lei de Águas [o governo nega que sejam privatizantes ou violem direitos indígenas, como acusa parte da esquerda].
A base governista negocia e até aprova leis, mas depois o presidente veta o que foi negociado pelo próprio bloco [a Aliança País].

Antes da rebelião, o governo falava em apelar à "morte cruzada", que prevê a dissolução da Assembleia Nacional e novas eleições para o Legislativo e a Presidência. Isso vai prosperar?
Não sei se vão decidir agora. O fato é que o governo não consegue equacionar sua relação com a Assembleia, onde tem maioria simples [54 de 124 cadeiras], mas não absoluta. Ele pensa na morte cruzada imaginando que conseguirá mais votos numa eleição e calculando que, nos três meses de preparação da votação, poderia aprovar leis por decreto.
É quase certo que Correa conseguiria se eleger de novo, mas não é certo que obteria a maioria absoluta na Assembleia. A morte cruzada não resolveria o problema em longo prazo.
Se não mudar de atitude e não dialogar com os movimentos sociais, indígenas e outros setores populares, a situação vai se complicar.

Quais serão as consequências institucionais, já que foi quebrada a cadeia de comando nas forças de segurança?
A institucionalidade policial e militar ficou fraturada. Há agora uma maior rivalidade entre Polícia Nacional e Forças Armadas.
São temas de tratamento difícil e que podem gravitar na vida nacional por muito tempo. Muitos setores vão desconfiar da polícia pelo que fizeram e permitiram que se fizesse.


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