São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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Mídia dos EUA também racha na eleição


Em sua edição de ontem, o "New York Post" só publicou artigos a favor de Bush

Estudo diz que nunca um candidato teve tanta simpatia da TV quanto Kerry



CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM WASHINGTON

Na eleição presidencial americana que mais interesse despertou na população do país em mais de 40 anos, os principais veículos de comunicação se dividiram no apoio a um dos dois candidatos com ênfase sem precedente no passado, o que fez aumentar a impressão de que o país está realmente rachado ao meio.
É tradicional os jornais e revistas manifestarem apoio em editorial a um dos aspirantes à Presidência. O que quase nunca aconteceu antes foi um jornal, como o "New York Post" de ontem, transformar sua primeira página em quase um pôster do seu preferido e publicar na página de opinião somente artigos a favor dele (no caso, Bush).
É indiscutível que, entre jornalistas e pessoas de comunicação, a maioria nos EUA se alinha com os liberais. Nos últimos três anos, no entanto, impressiona quantos veículos de comunicação assumiram ostensivamente sua opção conservadora, como a rede de TV Fox News, diversas cadeias nacionais de rádio e muitos jornais e emissoras de TV locais.
Talvez em reação a esse fato novo e talvez também para se redimir de inúmeros erros durante a cobertura do pós-11 de Setembro e da Guerra do Iraque, justificados pelo sentimento de patriotismo incutido na sociedade pelo governo Bush, a chamada mídia "liberal" exagerou na simpatia ao candidato da oposição.
O Center for Media and Public Affairs divulgou ontem estudo em que revela que desde 1988 nenhum pretendente à Casa Branca recebeu cobertura tão simpática dos noticiários das grandes redes de TV quanto Kerry em 2004.
Na noite de segunda-feira, por exemplo, o programa "Frontline", da PBS, um dos melhores do gênero de documentários da TV, mostrou uma biografia comparada de Bush e Kerry, claramente inclinada em favor do democrata.
Apesar da polarização ideológica, a maior parte da cobertura da campanha presidencial de 2004 não perdeu o caráter fundamentalmente sensacionalista, superficial e de concentração em assuntos triviais (como a vida pessoal dos candidatos e sua família, aspectos duvidosos de sua biografia etc.) que caracteriza o jornalismo político nos EUA.
Grande parte do noticiário desse tipo foi motivada neste ano pela avalanche de publicidade paga por grupos supostamente apartidários que tiveram atuação facilitada por lei eleitoral aprovada em 2002 que tinha como objetivo diminuir a propaganda eleitoral.
Os grupos, chamados de "527" por causa do artigo da lei que possibilitou sua formação, se organizam em torno da defesa de causas específicas (direito do aborto, porte de armamentos e assim por diante).
A lei permite que essas associações paguem anúncios para divulgar suas causas. Na prática, acabaram sendo instrumento para atacar um dos candidatos à Presidência, como o grupo auto-intitulado como "em busca da verdade sobre o que ocorreu no Vietnã", que provocou celeuma ao alegar que John Kerry não havia feito por merecer as condecorações que ganhou em combate no Sudeste Asiático.
Os debates entre os candidatos tiveram papel importante nesta eleição. Com uma audiência de 160 milhões de espectadores, superior em 30% ao recorde anterior, serviram para mostrar aos oponentes de Bush que John Kerry tem pelo menos as condições mínimas necessárias para o exercício da Presidência.
Cerca de 40% dos eleitores nunca haviam visto e ouvido Kerry antes do debate inicial em 30 de setembro. Muitos deles estavam dispostos a votar na oposição, mas ainda não sabiam que grau de confiança podiam depositar no seu candidato.
Por não ter cometido nenhum grande erro, por ter demonstrado conhecimento dos assuntos com que terá de lidar se vencer o pleito, Kerry, embora sem entusiasmar, foi capaz de se provar uma alternativa viável para o cargo.
Na noite de ontem, as redes de TV se armavam de todos os cuidados para evitar a repetição do vexame de 2000, quando declararam sucessivamente Bush, Gore e depois Bush de novo eleito presidente dos EUA, com base em pesquisas de boca-de-urna que se provaram deficientes.
As pesquisas ficaram ainda mais difíceis neste ano porque boa parte dos eleitores votou dias antes ou pelo correio. Numa disputa tão acirrada quando esta, previsão confiável de resultado antes da apuração oficial se tornou quase impossível.

Carlos Eduardo Lins da Silva, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas.


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