São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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ANÁLISE

Quão profunda é essa divisão?


A divisão partidária é muito mais profunda entre as elites políticas


NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA

No correr da história, o país produziu um número substancial de administrações cuja maioria era exígua. A chave de sua estabilidade, porém, foi sempre o fato de que, depositado o último voto, o partido perdedor acatava o resultado das urnas. Não que simpatizasse com o presidente eleito ou deixasse de se opor a ele. Mas que a nação não tenha deixado de ter eleições nem durante crises ou guerras lhe garantia a possibilidade de triunfar no ciclo seguinte. Daí que a política americana se fundamentasse menos em recriminações acerca do passado do que em planos para o futuro.
O que mudou é que, nas duas gestões de Bill Clinton, os republicanos, não contentes em se oporem ao democrata, passaram a questionar cada vez mais duramente sua legitimidade, tentando afinal depô-lo por meio do "impeachment". Se Clinton cumpriu seu segundo mandato, a raiva que os opositores lhe dirigiam ajudou a enfraquecer a candidatura de seu vice, Al Gore. Conseqüentemente, torpedeados pela candidatura de Ralph Nader e inconformados com o desfecho da disputa político-judicial na Flórida, os democratas militantes nunca reconheceram a legitimidade de George W. Bush.
Clinton era odiado, entre outras razões, por ter conduzido seu partido rumo ao centro, apropriando-se de causas tradicionalmente republicanas. Após ensaiarem uma radicalização, os republicanos fizeram precisamente o mesmo sob a administração Bush.
Conforme os dois principais partidos se aproximavam, suas disputas tornavam-se mais renhidas. Os atentados de 11 de setembro de 2001 suspenderam temporariamente as divisões partidárias, mas não as resolveram. Vale notar, contudo, que, embora o favorito da militância democrata fosse o governador Howard Dean, John Kerry acabou escolhido como candidato por ser aparentemente mais centrista e, portanto, elegível. Já se tratava de uma concessão aos eleitores moderados e conservadores, algo que não mudaria na sua Presidência, que teria de levar em conta o equilíbrio de forças na Câmara e no Senado.

Elites
A convergência entre os discursos democrata e republicano indica que a divisão partidária é muito mais profunda entre as elites políticas, intelectuais e midiáticas do que no resto da população. Não obstante aquelas terem um peso nada desprezível, qualquer governo que queira ser viável se vê forçado, a médio e longo prazos, a atender as demandas da maioria.
É pouco provável, portanto, que nas questões candentes, como a da guerra contra o terrorismo, haja grande distância entre o que Bush ou Kerry fariam ou farão.
Mesmo com as elites perdendo influência, no entanto, uma das primeiras tarefas do presidente eleito será a de ensaiar, no seu âmbito, um mínimo de reconciliação, para tornar menos estridentes e prejudiciais suas querelas. Se o conseguirá ou não, este vai ser um dos focos dos próximos quatro anos.


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