São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Ex-golpista, presidente baseia "revolução" em consulta popular

"Como posso pensar em algo que não existe", indaga Hugo Chávez sobre a possibilidade de perder eleição

Filho de professores, Chávez saiu do anonimato ao tentar derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992, quando foi preso por 2 anos

DO ENVIADO A CARACAS

Quando tinha sete anos, Hugo Chávez contou aos jornalistas estrangeiros num encontro em Caracas na semana passada, o presidente venezuelano se apaixonou pelo beisebol, o esporte nacional de seu país, importado dos "gringos". "Era minha vida", lembra-se. "Eu entrava no jogo para jogar, não me importava se ganharia."
Agora é diferente. Nas eleições de hoje, ele está jogando para ganhar. Instado a contemplar a hipótese algo remota de perder o pleito em que é o favorito, interrompe. "Como posso pensar sobre algo que não existe, "pue'?", afirma, usando mais uma vez sua abreviação preferida da palavra "pois" em espanhol, "pues".
Filho de dois professores, segundo de seis filhos, o tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Frías, 52, saiu do anonimato para entrar na cadeia em 1992, quando liderou um golpe de Estado que tentou derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez, então em seu segundo mandato (1989-1994). Soa profética a frase do golpista fracassado ao ser detido: "Por enquanto".

Balaio de gatos
Em 1994, foi solto por um perdão presidencial do sucessor de Pérez, Rafael Caldera, ato que alguns venezuelanos, especialmente da oposição, ainda consideram o maior erro político da história do país. É quando começa a organizar de verdade um plano para tomar o poder. Três anos depois, fundaria o Movimento 5ª República (MVR), que misturava socialismo cristão a idéias nacionalistas e ação populista.
É com esse balaio de gatos como plataforma que Hugo Chávez se elege presidente da Venezuela pela primeira vez, em 6 de dezembro de 1998, com 56% dos votos. A vitória se deve menos a sua figura e mais ao descontentamento vivido pela gente de um país rico em petróleo que tinha mais da metade da população vivendo em pobreza e às denúncias de corrupção contra os dois partidos políticos que se alternaram no poder nos 40 anos anteriores.
Chávez começa a governar por referendos ou consultas populares. O primeiro, em 1999, lhe deixa convocar uma Assembléia Constituinte. O segundo, no mesmo ano, aprova a nova Constituição. O terceiro, em 2000, lhe estica o mandato por mais seis anos. O quarto, de 2004, o reconfirma no poder, depois de sofrer uma tentativa de golpe em 2002.
Sob sua gestão, embalado pela alta do petróleo, o principal produto do país, ele melhora os índices socioeconômicos, o que fortalece seu mandato. "Você pode discordar o quanto quiser dele, mas Chávez cumpriu o que prometeu, pelo menos nessa área", disse Mark Weisbrot, diretor do Center for Economic and Policy Research (leia entrevista nesta página).

Influência regional
Com o mesmo capital político-econômico, ele tenta aumentar a influência da Venezuela na América Latina e é bem-sucedido em países como a Bolívia -no mesmo encontro com a imprensa estrangeira, Chávez disse que começou a "guinada à esquerda" do continente. "Fui o primeiro, em 1998. Estava sozinho. Cardoso (FHC) era amigo, mas não podia me apoiar."
Hoje, contabiliza, "somos muitos, temos um operário, um economista, um soldado, um índio", diz, referindo-se a Luiz Inácio Lula da Silva, a Rafael Correa, do Equador, a ele próprio e a Evo Morales, da Bolívia.
Com o passar dos anos, carregará as cores de seu discurso antiamericanista, que ele efetivará ao se aproximar cada vez mais de Fidel Castro e ao fazer acordos políticos e econômicos com países como Cuba, Irã e Coréia do Norte. Como justificativa, a ambigüidade com que os Estados Unidos trataram o golpe de 2002.
No meio do caminho, implanta no país o que chama de "revolução socialista bolivariana", inspirada em Jesus Cristo, Simon Bolívar e Che Guevara. Nos comícios em Caracas, não era difícil ver jovens usando camisetas vermelhas com as figuras dos três, nessa ordem; em quarto lugar, Chávez.
Seus opositores dizem que ele estimula o culto à personalidade. Que controla todos os setores da vida do país, por ter aparelhado as Forças Armadas e a PDVSA, a estatal do petróleo, expurgando os inimigos e perseguindo os reticentes. Que domina o Judiciário, com indicações que não são contestadas por uma Assembléia Nacional que o apóia 100%. É verdade, mas é a mesma oposição que se recusou a participar das eleições legislativas de 2005.
A "segunda etapa" de uma revolução contraditória e antes de tudo chavista entra em vigor hoje, segundo Chávez. Se ele sair vitorioso das urnas. Ou "quando" ele sair vitorioso, como prefere.
(SÉRGIO DÁVILA)


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