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Ex-golpista, presidente baseia "revolução" em consulta popular
"Como posso pensar em algo que não existe", indaga Hugo Chávez sobre a possibilidade de perder eleição
Filho de professores, Chávez
saiu do anonimato ao tentar
derrubar o presidente Carlos
Andrés Pérez, em 1992,
quando foi preso por 2 anos
DO ENVIADO A CARACAS
Quando tinha sete anos, Hugo Chávez contou aos jornalistas estrangeiros num encontro
em Caracas na semana passada,
o presidente venezuelano se
apaixonou pelo beisebol, o esporte nacional de seu país, importado dos "gringos". "Era minha vida", lembra-se. "Eu entrava no jogo para jogar, não me
importava se ganharia."
Agora é diferente. Nas eleições de hoje, ele está jogando
para ganhar. Instado a contemplar a hipótese algo remota de
perder o pleito em que é o favorito, interrompe. "Como posso
pensar sobre algo que não existe, "pue'?", afirma, usando mais
uma vez sua abreviação preferida da palavra "pois" em espanhol, "pues".
Filho de dois professores, segundo de seis filhos, o tenente-coronel Hugo Rafael Chávez
Frías, 52, saiu do anonimato
para entrar na cadeia em 1992,
quando liderou um golpe de Estado que tentou derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez,
então em seu segundo mandato
(1989-1994). Soa profética a
frase do golpista fracassado ao
ser detido: "Por enquanto".
Balaio de gatos
Em 1994, foi solto por um
perdão presidencial do sucessor de Pérez, Rafael Caldera,
ato que alguns venezuelanos,
especialmente da oposição,
ainda consideram o maior erro
político da história do país. É
quando começa a organizar de
verdade um plano para tomar o
poder. Três anos depois, fundaria o Movimento 5ª República
(MVR), que misturava socialismo cristão a idéias nacionalistas e ação populista.
É com esse balaio de gatos
como plataforma que Hugo
Chávez se elege presidente da
Venezuela pela primeira vez,
em 6 de dezembro de 1998, com
56% dos votos. A vitória se deve
menos a sua figura e mais ao
descontentamento vivido pela
gente de um país rico em petróleo que tinha mais da metade
da população vivendo em pobreza e às denúncias de corrupção contra os dois partidos políticos que se alternaram no poder nos 40 anos anteriores.
Chávez começa a governar
por referendos ou consultas
populares. O primeiro, em
1999, lhe deixa convocar uma
Assembléia Constituinte. O segundo, no mesmo ano, aprova a
nova Constituição. O terceiro,
em 2000, lhe estica o mandato
por mais seis anos. O quarto, de
2004, o reconfirma no poder,
depois de sofrer uma tentativa
de golpe em 2002.
Sob sua gestão, embalado pela alta do petróleo, o principal
produto do país, ele melhora os
índices socioeconômicos, o que
fortalece seu mandato. "Você
pode discordar o quanto quiser
dele, mas Chávez cumpriu o
que prometeu, pelo menos nessa área", disse Mark Weisbrot,
diretor do Center for Economic
and Policy Research (leia entrevista nesta página).
Influência regional
Com o mesmo capital político-econômico, ele tenta aumentar a influência da Venezuela na América Latina e é
bem-sucedido em países como
a Bolívia -no mesmo encontro
com a imprensa estrangeira,
Chávez disse que começou a
"guinada à esquerda" do continente. "Fui o primeiro, em
1998. Estava sozinho. Cardoso
(FHC) era amigo, mas não podia me apoiar."
Hoje, contabiliza, "somos
muitos, temos um operário, um
economista, um soldado, um
índio", diz, referindo-se a Luiz
Inácio Lula da Silva, a Rafael
Correa, do Equador, a ele próprio e a Evo Morales, da Bolívia.
Com o passar dos anos, carregará as cores de seu discurso
antiamericanista, que ele efetivará ao se aproximar cada vez
mais de Fidel Castro e ao fazer
acordos políticos e econômicos
com países como Cuba, Irã e
Coréia do Norte. Como justificativa, a ambigüidade com que
os Estados Unidos trataram o
golpe de 2002.
No meio do caminho, implanta no país o que chama de
"revolução socialista bolivariana", inspirada em Jesus Cristo,
Simon Bolívar e Che Guevara.
Nos comícios em Caracas, não
era difícil ver jovens usando camisetas vermelhas com as figuras dos três, nessa ordem; em
quarto lugar, Chávez.
Seus opositores dizem que
ele estimula o culto à personalidade. Que controla todos os setores da vida do país, por ter
aparelhado as Forças Armadas
e a PDVSA, a estatal do petróleo, expurgando os inimigos e
perseguindo os reticentes. Que
domina o Judiciário, com indicações que não são contestadas
por uma Assembléia Nacional
que o apóia 100%. É verdade,
mas é a mesma oposição que se
recusou a participar das eleições legislativas de 2005.
A "segunda etapa" de uma revolução contraditória e antes
de tudo chavista entra em vigor
hoje, segundo Chávez. Se ele
sair vitorioso das urnas. Ou
"quando" ele sair vitorioso, como prefere.
(SÉRGIO DÁVILA)
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