São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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ARTIGO

Avanço na participação popular

EDGARDO LANDER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nas eleições que terão lugar hoje, estão em jogo o futuro da Venezuela e, em muitos sentidos, o rumo que a América Latina vai seguir nos próximos anos. Estão em jogo duas opções nitidamente diferentes: o projeto de mudança representado por Hugo Chávez e o retorno à "normalidade" neoliberal representado pelo candidato opositor Manuel Rosales.
Nos oito anos passados desde a primeira eleição de Chávez, em 1998, ocorreram mudanças significativas no país, sendo que entre elas se destacam a nova Constituição, a nova política petrolífera, a prioridade geopolítica dada às relações Sul-Sul e a integração sul-americana. A transformação mais importante se deu na cultura política e organizativa dos setores populares. De uma situação em que a pobreza era acompanhada de altos níveis de exclusão política e cultural -uma sociedade de apartheid crescente-, avançou-se para processos de participação e organização popular que, por meio da inclusão e da dignidade, transformaram a experiência de vida de milhões de venezuelanos. Uma porcentagem elevada e crescente dos gastos públicos é destinada às despesas sociais.
As missões, especialmente nas áreas de educação, saúde e organizações produtivas populares, não apenas começaram a produzir melhoras nas condições de vida da maioria como -orientadas pelo objetivo de fortalecimento da tessitura social e construção de uma cidadania ativa ("protagônica")- estimularam a organização popular. As amplas experiências organizativas de bases, como as Mesas Técnicas de Água, os Comitês de Saúde e os Comitês de Terra Urbana, não têm antecedentes na história venezuelana.
Tudo isso tem conseqüências políticas que serão ratificadas nas eleições de hoje. Enquanto o candidato da oposição conta com o apoio dos setores médios e altos, empresários, intelectuais e praticamente todos os meios de comunicação social privados, o apoio ao governo entre as maiorias populares é sólido e ativo. Todas as principais pesquisas de opinião, nacionais ou estrangeiras, dão a Chávez uma vantagem de entre 20 e 30 pontos percentuais.
Não estando em dúvida os resultados da eleição, são outros os assuntos que estão em jogo. Desde o ponto de vista da oposição: será que ela estará disposta a reconhecer sua derrota? Mais uma vez -como no caso do golpe de abril de 2002, da greve petroleira-empresarial de 2002-2003 e do referendo revogatório de 2004- ela irá ignorar as regras democráticas e, sob o grito de "fraude!", tentará deslegitimar o regime democrático e subverter a vontade da maioria, apelando para a intervenção da chamada "comunidade internacional", ou seja, do governo dos Estados Unidos? As mensagens que vêm sendo passadas até o momento são no mínimo ambíguas.
Desde o ponto de vista do governo e das forças políticas e sociais que o apóiam, os objetivos dizem respeito ao que vem depois das eleições. Grande número de debates e decisões pendentes foi postergado mais de uma vez em razão da prioridade eleitoral. Se uma fase de transição for concluída com as eleições, qual será a etapa seguinte desse processo? Como responder à exigência de uma institucionalidade maior, que possibilite níveis mais altos de eficiência e de participação e controle democrático em níveis que vão além do local? Como superar o sectarismo e reconhecer o papel da oposição e da pluralidade como condição da democracia? Que tipo de organização e de novas lideranças será necessário para que o futuro da Venezuela não dependa de uma única pessoa? Em que consistiria o socialismo do século 21? É possível um socialismo democrático que não seja de Estado? Em que este se diferenciaria da experiência autoritária e depredadora do socialismo do século 20?


EDGARDO LANDER é professor da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade Central da Venezuela (Caracas)


Tradução de CLARA ALLAIN


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