São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Ex-golpista, opositor baseia sua campanha no cartão "Mi Negra"

Manuel Rosales, governador do Estado mais rico do país, virou candidato dos "excluídos de Chávez"

Elogiado por experiência administrativa, ele avançou nas pesquisas com cartão para distribuir renda do petróleo e pede: "atreva-se"

DO ENVIADO A CARACAS

Decidir que participaria das eleições de 2006, diferentemente do que fez em 2005, foi o primeiro consenso a que chegou a oposição. O segundo, mais difícil, foi escolher um nome popular o suficiente para fazer com que desistissem os outros opositores presidenciáveis e ofuscar os candidatos nanicos que fatalmente surgiriam (um deles é uma mulher, de nome Venezuela da Silva e slogan "Vote na Venezuela!").
No dia 9 de agosto, chegou-se ao consenso: pesos pesados como Teodoro Petkoff, um dos principais economistas e colunistas do país, e o ex-governador Sérgio Omar Calderón, do Estado de Táchira, endossariam a candidatura de Manuel Rosales. Grisalho, alvo, de voz baixa e discursos breves, o governador hoje licenciado do Estado de Zulia, rico em petróleo, era o anti-Chávez.
Era isso o que queriam pessoas como Petkoff, o coordenador não declarado da campanha oposicionista: alguém com quem um figurativo "leste de Caracas", a parte da capital onde ficam a classe média e alta venezuelana, se identificasse. O candidato dos "excluídos de Chávez". Era Rosales.

Oito partidos
Sua chapa, Unidad, representa oito partidos de oposição, entre eles o Copei e parte da AD, os dois que se revezaram por 40 anos no poder antes da chegada de Chávez ao poder. Católico, casado pela segunda vez, 53 anos e dez filhos, entre seus e enteados, esse ex-professor foi deputado estadual por Zulia, prefeito de Maracaibo, a segunda maior cidade do país, e estava em seu segundo mandato como governador do Estado quando se licenciou.
"Eu já ocupei vários cargos eletivos, não sou um aventureiro", disse Rosales no encontro com a imprensa estrangeira anteontem, num restaurante japonês freqüentado por seus pares, no bairro de Las Mercedes, na região leste de Caracas. É considerado político experiente pela oposição e experiente demais pela situação.
Manuel Rosales foi o único governador a atender ao chamado de Pedro Carmona para ir ao Palácio Presidencial Miraflores em 11 de abril de 2002, assinar o decreto que destituía Chávez e confirmava Carmona no cargo, no golpe de Estado que duraria menos de dois dias. No começo da campanha, Rosales confirmava o ato e dizia que as pessoas erram.
Mais recentemente, segundo o próprio Hugo Chávez, o candidato passou a dizer que foi ao palácio, sim, mas para assinar a ata da reunião convocatória, não a destituição. "Como alguém pode votar num homem que não assume o que faz?", perguntou Chávez na quinta-feira. "Isso é uma criança, não é um homem."
O fato é que, em pouco mais de três meses de campanha, Rosales passou de virtualmente zero para perto de 30% das intenções de votos, segundo pesquisas mais recentes encomendadas pela Associated Press e pela Reuters -ou entre 5% e 10% à frente de Chávez, segundo as pesquisas que o próprio Rosales mencionou no encontro de sexta.
Entre os pesquisados da Associated Press, um terço da população de baixa renda disse que votaria em Rosales. Essa penetração em território supostamente chavista ele deve à estrela de seu programa social, uma iniciativa chamada "Mi Negra Tarjeta" (meu cartão preto), ou "Mi Negra", também uma forma carinhosa de o venezuelano se referir à mulher.
Segundo a iniciativa, parte dos recursos gerados com a venda do petróleo vai diretamente à população de baixa renda venezuelana por meio de um cartão de débito, da cor do combustível fóssil. A idéia é baseada numa iniciativa de sucesso no Alasca e foi trazida à campanha por Michael Rowan, eminência parda do comando da candidatura da oposição.

Marqueteiro
Um James Carville (o renomado marqueteiro democrata) do Terceiro Mundo, Rowan veio à Venezuela para ajudar na campanha presidencial de 1993, depois de ter trabalhado nas campanhas de Jimmy Carter e Bill Clinton. Nunca mais saiu. "Rosales, não Chávez, pode acabar com a pobreza na Venezuela", disse Rowan à Folha (leia entrevista nessa página).
Seu "Mi Negra" prevê a distribuição de até US$ 470 por ano para dois milhões de venezuelanos. A idéia deu à candidatura da oposição um programa social que poderia fazer o candidato se conectar também com o "lado oeste de Caracas". Já há bancas, sem efeito legal, de cadastramento de interessados espalhadas pelo país.
Faltava um slogan para a campanha. "Atrevete!" ("atreva-se", no sentido de ousar) foi o melhor que pensaram os marqueteiros de Rosales. Hoje, os venezuelanos respondem. (SÉRGIO DÁVILA)


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