São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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ARTIGO

Contra um projeto autoritário

TULIO HERNÁNDEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Basicamente, votarei contra Chávez e a continuidade de seu projeto. Apesar de ter votado nele nas primeiras eleições que o levaram à Presidência, de haver apoiado -embora criticamente- seus primeiros anos de gestão e, depois disso, de ter me mantido em posição intermediária, procurando colaborar na construção de espaços de diálogo a partir do movimento "Aqui Cabemos Todos", hoje considero que o projeto bolivariano e a personalidade de Hugo Chávez constituem uma ameaça à convivência pacífica dos venezuelanos e à realização, dentro de um contexto democrático, das transformações profundas de que o país precisa há muito tempo.
Depois de oito anos de governo, já sabemos com certeza que o projeto bolivariano, embora em seu discurso consiga expressar os interesses e aspirações de determinadas maiorias venezuelanas, é um projeto autoritário, que violenta sistematicamente a autonomia dos Poderes fundamentais da democracia.
Ademais, é um projeto militarista, tanto pela grande participação de militares em cargos do governo quanto pelo discurso que converte as eleições em "batalhas", organiza os cidadãos em "batalhões", "pelotões" e "esquadras" eleitorais, além da insistência de um presidente eleito como civil em portar o uniforme militar. Isso sem falar da demente corrida armamentista e do esforço empreendido para formar milícias de civis armados com os 100 mil fuzis Kalashnikov comprados da Rússia.
Também se trata de um projeto que destruiu qualquer possibilidade de diálogo político; que emprega o argumento dos efetivamente inconstitucionais atos de um setor da oposição, em 2002, para satanizar e criminalizar a dissidência e o protesto social; que estimula a violência sistemática dos "camisas vermelhas" contra os cidadãos opositores; que cultua a ilegalidade, ao estimular invasões de terras produtivas e imóveis de propriedade reconhecida; e, pior de tudo, que converteu o debate político numa verborréia vulgar e agressiva, feita de desqualificações morais e pessoais lançadas não apenas contra venezuelanos da oposição como também contra estadistas e líderes estrangeiros, criando um clima emotivo negativo e de ódio de classes que enche o país de inquietação.
Por outro lado, mais que uma revolução, o projeto bolivariano tem sido uma continuidade dos aspectos piores do sistema bipartidário anterior. O primeiro destes é a proliferação evidente da corrupção como prática aceita sem ser combatida. O segundo é a utilização dos imensos recursos da receita petrolífera em planos sociais de redistribuição e assistencialistas como as Missões (antes chamadas de Operativos), que, se bem resolvem problemas emergenciais, gerando um sentimento de reconhecimento nos setores populares e muita simpatia eleitoral para com o regime, não solucionam os graves problemas sociais do país nem a médio nem a longo prazo, não geram institucionalidade sólida de serviços, nem estimulam a produtividade e o desenvolvimento econômico capazes de gerar empregos. Passados oito anos de gestão, o desemprego não apenas se manteve, como vem crescendo.
Por outro lado, embora meu candidato fosse Teodoro Petkoff, um socialista que pode ser situado nas linhas democráticas e institucionais de Lula, Tabaré Vázquez ou Bachelet, votarei em Rosales, apesar de saber que ele conserva vínculos com parte da direção política que representa o passado que há tempo queremos mudar.
O farei primeiramente porque Petkoff, ao ver-se pouco favorecido nas pesquisas, se afastou em favor de Rosales, de cuja equipe de campanha hoje faz parte. Em seguida, porque estamos diante de um homem confiável, na medida em que possui grande experiência política e de governo (foi prefeito da maior cidade do país, duas vezes governador do Estado de maior população, vereador e deputado da Assembléia Legislativa estadual) e que se mostra sereno e permanentemente aberto ao diálogo, favorecendo a reconciliação entre os venezuelanos. Ademais, nestes tempos de campanha, Rosales reafirmou sua vocação popular e, embora ofereça coisas populistas muito parecidas com as de Chávez, temos a certeza de que poderemos nos afastar dele quando quisermos, sendo que Chávez se prepara para modificar a Constituição e governar até 2026, fato que, por si só, já constitui razão suficiente para não votar nele.


TULIO HERNÁNDEZ é sociólogo venezuelano, professor universitário e colunista do jornal "El Nacional"


Tradução de CLARA ALLAIN


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