São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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Esquerda pressiona Obama a se pronunciar

Analistas dizem temer que o silêncio do presidente eleito sobre Gaza mine boa vontade entre árabes e muçulmanos

Ofensiva de Israel pode fortalecer ideia de que novo presidente deva cuidar do desafio iraniano antes da questão israelo-palestina

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

Quando o assunto é o abismo econômico em que se meteu os EUA, o presidente eleito Barack Obama não espera até a posse, no próximo dia 20, para apresentar estratégias de ação. O caso da ofensiva israelense em Gaza, porém, desperta reação diferente: sua equipe adere ao mantra "só temos um presidente de cada vez", repetido após a invasão de ontem, irritando a opinião pública árabe e preocupando os que esperam uma nova abordagem da política para o Oriente Médio.
As pressões partem principalmente de analistas da esquerda americana. Eles alertam que o silêncio atual não ajuda Obama a construir a confiança necessária para avançar as negociações de paz entre Israel e os palestinos.
"Negligenciar o engajamento neste estágio crítico envia a mensagem errada sobre a seriedade com a qual Obama perseguirá um "papel ativo" [no conflito]", escreveu o comentarista John Nichols na revista esquerdista "The Nation".
"Suas opções são limitadas, assim como sua oportunidade de fazer a diferença e sinalizar um novo começo. Ele pode ter apenas uma chance", afirmou o colunista Simon Tisdall no jornal britânico "The Guardian".
Fora dos EUA, as críticas ecoam entre palestinos e seus simpatizantes. Na sexta, a liderança do Hamas mostrou que tentará tirar proveito político do silêncio de Obama. "O senhor começa mal", disse Khaled Meshaal, líder do grupo em Damasco. "Condenou os ataques em Mumbai [Índia], mas não diz nada enquanto centenas de palestinos são mortos. Ocidente, estamos cansados de ver dois pesos, duas medidas."
Enquanto isso, grupos judaico-americanos, como o Israel Project e o Aipac (Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel), se apegam à fala de Obama na cidade israelense de Sderot, que visitou em julho. Na ocasião, ele afirmou que, "se estivessem jogando foguetes na casa em que minhas filhas dormem, eu faria tudo a meu alcance para pôr um fim a isso".

Ordem de prioridades
A escolha sobre em que assuntos se meter antes de chegar ao poder não foge à ordem de prioridades do público americano. Em pesquisa recente do "Washington Post" e da rede ABC, dois terços põem a economia em primeiro lugar, enquanto a política externa teve menos de 1% dos votos.
Em pergunta apenas sobre política externa, a questão israelo-palestina ficou no fim de uma lista de 12 itens de importância para os EUA.
"Politicamente, não há vantagem em abordar [o conflito] agora", disse ao "Post" G. Calvin MacKenzie, professor de governo do Colby College. "Não há boas notícias aí."
Ainda que seja terreno perigoso, para o mundo muçulmano a inação de Obama cheira a "mais do mesmo". Durante a campanha, ele mostrou progressivo viés pró-Israel à medida que se aproximava a eleição. Horas depois de assegurar a candidatura democrata, em junho, Obama disse na Aipac que Jerusalém, cujo setor oriental é reivindicado pelos palestinos como sua futura capital, deve ser a "capital indivisível" de Israel. Muitos árabes consideraram o discurso um "tapa na cara", como classificou na época um jornal do Kuait.
Obama também prometeu "garantir que Israel possa se defender de qualquer ameaça -de Gaza a Teerã".

Hillary
Nesse ponto, ele contará com uma secretária de Estado ainda mais contundente. Hillary Clinton, quando ainda disputava com Obama a candidatura democrata, disse que o Irã seria "destruído" se atacasse Israel.
Seu histórico no tema é misto. Quando primeira-dama, Hillary apareceu ao lado da mulher do líder palestino Iasser Arafat (1929-2004) em Ramallah, na Cisjordânia. Também defendeu o Estado palestino antes de esta ser a política oficial da Casa Branca.
Mas os palestinos não comemoraram quando Obama indicou a substituta de Condoleezza Rice. Tampouco foi motivo de festa a nomeação de Rahm Emanuel -defensor de Israel- para chefe-de-gabinete (equivalente a chefe da Casa Civil).
Obama contou no passado com assessores menos pró-Israel, como Zbigniew Brzezinski (que foi assessor de Segurança Nacional de Jimmy Carter) e Robert Malley (membro da equipe de segurança nacional de Bill Clinton). Mas, segundo o site Politico, a situação em Gaza "pode fortalecer a influência de conselheiros mais agressivos, que afirmam que o primeiro passo para a paz no Oriente Médio deve ser isolar o Irã, e não negociar com palestinos e israelenses".
Obama ainda tem tempo para se engajar no problema antes da posse. A seu favor estão uma alta popularidade, inclusive entre muçulmanos, e a fadiga do governo Bush. Não faltam sugestões de especialistas de esquerda. "Não é o caso de defender lançamentos de foguetes, mas reconhecer que seu poder limitado de matar deve ser comparado à força de resposta de Israel" afirmou em artigo o jornalista Sandy Tolan.
"Ele precisa culpar Bush por sua incrível recusa em se envolver [no começo de dezembro], quando o Hamas indicou que acabaria com o cessar-fogo", disse o comentarista Richard Dreyfuss em seu blog.


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