São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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EUA
Ex-presidente vive sozinho, longe da mulher e dos amigos Isolado em Nova York, Clinton enfrenta polêmica sobre indultos
Sozinho, Clinton enfrenta realidade pós-Casa Branca

ADAM NAGOURNEY
DO "THE NEW YORK TIMES"

Uma noite dessas, Bill Clinton entrou num evento no teatro Apollo, no Harlem, para levantar fundos para o combate à Aids e foi recebido pela platéia com leves aplausos e reconhecimento. Com sua mulher, Hillary, em Washington, Clinton estava acompanhado pelo deputado Charles B. Rangel, do Harlem, e pela cantora Roberta Flack.
O ex-presidente passou as quatro horas seguintes num assento apertado no teatro, às vezes batendo papo com Rangel e Flack e de vez em quando dando autógrafos. O que se viu, porém, foi um homem famoso e muito só.
Sob muitos aspectos, aquela noite no Harlem simbolizou aquilo em que a vida se transformou para Clinton desde que deixou a Casa Branca em janeiro.
Quer ele esteja percorrendo sua casa de 11 cômodos no subúrbio de Nova York na companhia de seu cão, Buddy, esvaziando as 120 caixas da mudança ou guardando os livros nas estantes, o homem que tanto precisa de atenção e companhia é descrito por seus amigos como estando à toa e, com frequência, isolado.
Ele perdeu boa parte da equipe que o assessorava na Casa Branca e até mesmo a companhia cotidiana de sua família. Hillary, eleita senadora por Nova York, passa a maior parte do tempo em Washington, e Chelsea, 21, a filha do casal, está prestes a retornar à faculdade na Califórnia.
Os amigos o tinham avisado da solidão que enfrentaria na fase de adaptação para a vida de mero marido de uma senadora. Mas a polêmica suscitada por uma série de indultos de último minuto exacerbou seu isolamento forçado.
Muitas das pessoas a quem Clinton poderia ter se voltado estavam envolvidas ou em buscar os perdões ou em revê-los e, por essa razão, chamaram para si a atenção dos investigadores federais e do Congresso.
Na quinta-feira passada, três ex-colaboradores de Clinton -o ex-chefe de Gabinete John Podesta, a ex-conselheira da Casa Branca Beth Nolan e o ex-assessor Bruce Lindsey- depuseram no Congresso e afirmaram que argumentaram contra o perdão dado ao bilionário Marc Rich, foragido na Suíça, mas não foram ouvidos.
Hillary foi descrita por amigos como dividida quanto à difícil situação em que se encontra seu marido. Por um lado, está irritada com o fato de que os perdões que ele concedeu à última hora macularam a entrada dela na vida pública. Por outro, está angustiada porque não há ninguém à disposição para ajudá-lo a resolver os desastres de relações públicas que marcaram seu ingresso na vida privada.
Segundo um amigo mútuo, o casal continua a compartilhar conselhos. Mas essa partilha vem sendo dificultada pela distância geográfica que os separa, pelas sugestões de alguns dos assessores de Hillary de que ela deveria distanciar-se de seu marido e pelas distrações contínuas inerentes ao novo trabalho da senadora.
Segundo um amigo, Clinton está evitando ir a Washington enquanto o furor provocado pelos detalhes de seus últimos dias no governo não amainar.
Tudo isso provocou o adiamento dos planos pós-Casa Branca do ex-presidente. A idéia original era que ele se aposentaria e passaria a viver uma vida reservada, digna e rentável, fazendo palestras, escrevendo suas memórias e ligando-se a alguma espécie de causa beneficente.
Esse plano foi posto de lado, pelo menos por enquanto. Em lugar disso, o ex-presidente lançou, nos últimos dias, uma campanha para reabilitar sua imagem. Ele vai iniciar uma série de viagens ao exterior, incluindo visitas à Índia, à África e à Europa. O objetivo é em parte ganhar dinheiro -os honorários pagos a palestrantes no exterior tendem a ser maiores do que os nos EUA- e também identificar-se com o serviço público, como a assistência às vítimas do terremoto na Índia.


Tradução de Clara Allain



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