São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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ARGENTINA

Para analistas, prisão de Juárez em Santiago del Estero não significa o desmonte de meio século de clientelismo

Prisão de caudilho deixa Província "órfã"

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO DEL ESTERO

"Santiago del Estero é Carlos Arturo Juárez; digo isso sem vaidade, porque 80% do que Santiago é deve a mim."
A frase acima, dita pelo próprio caudilho peronista em 1983, resume, mas não explica, o que 50 anos de juarismo produziram em Santiago del Estero: uma Província marcada por um sistema de poder clientelista, autoritário e repressivo e uma situação de pobreza extrema.
O desfecho para as décadas de hegemonia juarista veio nos últimos dias, empurrado por uma crise com elementos explosivos como assassinatos, espionagem, atentados e fraudes, que levou o governo nacional a intervir na Província.
Num final até pouco tempo inimaginável para os santiaguenhos, Carlos Juárez, 87, e Mercedes Nina Aragonés de Juárez, 77, sua mulher e até então governadora de Santiago, terminaram a semana em prisão domiciliar.
Se os Juárez formalmente saíram de cena, no entanto, as estruturas de poder e de cultura que os sustentaram seguem de pé, traduzidas em três elementos principais: assistencialismo, emprego público e medo.
"Juárez criou uma política assistencialista que faz com que o povo acredite que lhe deve favores e, por isso, responda a ele", explica Juan Carlos Storniolo, da Secretaria de Direitos Humanos da Diocese de Santiago del Estero.
"Em Santiago, não há ninguém que não deva algo a Juárez. Todos, ao longo desses 50 anos, receberam algo dele. Não é à toa que lhe chamam de Tata" - que, na língua indígena quéchua, significa "grande pai".
"Por outro lado, vive-se num estado de medo e de submissão, porque em Santiago não temos outra alternativa de trabalho que não seja o emprego público."
Segundo levantamento da Universidade Católica de Santiago del Estero, cerca de 45% da população depende diretamente de um salário provido pelo setor público -cifra que ultrapassa os 60% somados os casos de dependência indireta.
Talvez mais que prêmio, esses empregos deram a Juárez um mecanismo de sanção e controle social -amparado, por sua vez, por um forte aparato repressivo e de espionagem montado nos moldes da última ditadura militar argentina (1976-83).
"Isso manteve a população cativa e, assim, os Juárez conseguiram governar por 50 anos", diz Eduardo Peláez, presidente do Círculo da Imprensa de Santiago e um dos 40 mil santiaguenhos investigados pela rede ilegal supostamente liderada por Juárez.
"São mais de cem páginas com detalhes da minha vida privada, profissional, social, sindical, com quem me reunia, que lugares freqüentava, desde 1991", conta o jornalista sobre seu arquivo mantido pela Secretaria de Informações da Polícia da Província -a "Gestapo" de Santiago.
Além de espionagens, saques, detenções ilegais e torturas também faziam parte do menu habitual da polícia juarista -um dos campeões de denúncias nos organismos de defesa de direitos humanos de Santiago.

Ceticismo
"Juárez armou toda uma estrutura de poder que é muito difícil desarmar politicamente", avalia Storniolo. "É bem possível que o governo que o substitua se valha dessa mesma estrutura para também armar sua própria estrutura hegemônica."
Para Peláez, a população teme Juárez, mas também teme mudanças. "É como o velho ditado: mais vale o mal conhecido que o mal por conhecer."


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