|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARGENTINA
Para analistas, prisão de Juárez em Santiago del Estero não significa o desmonte de meio século de clientelismo
Prisão de caudilho deixa Província "órfã"
CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A SANTIAGO DEL ESTERO
"Santiago del Estero é Carlos
Arturo Juárez; digo isso sem vaidade, porque 80% do que Santiago é deve a mim."
A frase acima, dita pelo próprio
caudilho peronista em 1983, resume, mas não explica, o que 50
anos de juarismo produziram em
Santiago del Estero: uma Província marcada por um sistema de
poder clientelista, autoritário e repressivo e uma situação de pobreza extrema.
O desfecho para as décadas de
hegemonia juarista veio nos últimos dias, empurrado por uma
crise com elementos explosivos
como assassinatos, espionagem,
atentados e fraudes, que levou o
governo nacional a intervir na
Província.
Num final até pouco tempo inimaginável para os santiaguenhos,
Carlos Juárez, 87, e Mercedes Nina Aragonés de Juárez, 77, sua
mulher e até então governadora
de Santiago, terminaram a semana em prisão domiciliar.
Se os Juárez formalmente saíram de cena, no entanto, as estruturas de poder e de cultura que os
sustentaram seguem de pé, traduzidas em três elementos principais: assistencialismo, emprego
público e medo.
"Juárez criou uma política assistencialista que faz com que o povo
acredite que lhe deve favores e,
por isso, responda a ele", explica
Juan Carlos Storniolo, da Secretaria de Direitos Humanos da Diocese de Santiago del Estero.
"Em Santiago, não há ninguém
que não deva algo a Juárez. Todos,
ao longo desses 50 anos, receberam algo dele. Não é à toa que lhe
chamam de Tata" - que, na língua indígena quéchua, significa
"grande pai".
"Por outro lado, vive-se num estado de medo e de submissão,
porque em Santiago não temos
outra alternativa de trabalho que
não seja o emprego público."
Segundo levantamento da Universidade Católica de Santiago del
Estero, cerca de 45% da população depende diretamente de um
salário provido pelo setor público
-cifra que ultrapassa os 60% somados os casos de dependência
indireta.
Talvez mais que prêmio, esses
empregos deram a Juárez um mecanismo de sanção e controle social -amparado, por sua vez, por
um forte aparato repressivo e de
espionagem montado nos moldes
da última ditadura militar argentina (1976-83).
"Isso manteve a população cativa e, assim, os Juárez conseguiram governar por 50 anos", diz
Eduardo Peláez, presidente do
Círculo da Imprensa de Santiago
e um dos 40 mil santiaguenhos investigados pela rede ilegal supostamente liderada por Juárez.
"São mais de cem páginas com
detalhes da minha vida privada,
profissional, social, sindical, com
quem me reunia, que lugares freqüentava, desde 1991", conta o
jornalista sobre seu arquivo mantido pela Secretaria de Informações da Polícia da Província -a
"Gestapo" de Santiago.
Além de espionagens, saques,
detenções ilegais e torturas também faziam parte do menu habitual da polícia juarista -um dos
campeões de denúncias nos organismos de defesa de direitos humanos de Santiago.
Ceticismo
"Juárez armou toda uma estrutura de poder que é muito difícil
desarmar politicamente", avalia
Storniolo. "É bem possível que o
governo que o substitua se valha
dessa mesma estrutura para também armar sua própria estrutura
hegemônica."
Para Peláez, a população teme
Juárez, mas também teme mudanças. "É como o velho ditado:
mais vale o mal conhecido que o
mal por conhecer."
Texto Anterior: Iraque ocupado: Provas de armas químicas no Iraque não eram "tão sólidas", diz Powell Próximo Texto: Após 50 anos, miséria é herança Índice
|