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OPINIÃO
Timor Leste, Kosovo e a hipocrisia européia
JOSÉ RAMOS-HORTA
Num texto para a revista
"Newsweek" (publicado pela
Folha em 19 de abril), o premiê
britânico, Tony Blair, diz que "a
dura experiência nos ensinou
que não devemos tentar conciliar com ditadores", e que "precisamos ingressar num novo
milênio, no qual ditadores saibam que não conseguirão promover "limpeza étnica" ou reprimir populações impunemente."
Ele se refere, é claro, a Kosovo
e à Iugoslávia, não a Timor Leste
e à Indonésia. É uma declaração
nobre e que seria digna de crédito, não viesse do líder de um governo que concedeu mais licenças de exportação de armas à Indonésia do que havia feito o anterior, conservador.
Em Kosovo, a Otan exige a retirada das tropas iugoslavas e
uma presença militar internacional. Em Timor Leste, extensão de uma potência européia,
mas habitada por uma população de pele mais escura e objeto
de uma ocupação ilegal, o governo Blair se nega a exigir a retirada das tropas indonésias.
No caso de Kosovo, não existem resoluções do Conselho de
Segurança da ONU de apoio à
autodeterminação dos kosovares. O direito de autodeterminação da população de Timor Leste já foi reconhecido. O Conselho de Segurança e a Assembléia
Geral da ONU condenaram a invasão de Timor Leste. Os europeus aceitaram a soberania iugoslava em Kosovo, mas nunca
reconheceram a anexação de Timor Leste pela Indonésia.
Como castigo pela "limpeza
étnica" dos kosovares, a Iugoslávia é bombardeada até praticamente retroceder à Idade da Pedra. Em troca dos 23 anos de
"limpeza étnica" dos timorenses, a Indonésia ganha repreensões moderadas e milhões de
dólares em armamentos e outros bilhões em empréstimos.
No caso de Timor Leste, os
países da Otan e outros, precisariam implementar uma opção
"militar" muito mais simples:
cancelar vendas de equipamentos, treinamentos e exercícios
conjuntos militares, além de expulsar adidos militares indonésios. A recomendação que fazemos a nossos amigos é que:
a) Façam piquetes diante das
embaixadas indonésias, identifiquem os adidos militares e os
convidem a deixar seu país;
b) Enviem mensagens a agências de viagens, aconselhando-as a não fazer reservas para Bali;
c) Exortem o Banco Mundial,
o FMI, a Comissão Européia e o
Congresso dos EUA a congelar
envio de fundos a Jacarta.
Não possuímos sofisticados
aviões "invisíveis", mas temos o
poder da cidadania mundial.
Devemos isso aos habitantes de
Timor Leste que perderam a vida. Devemos isso à humanidade, para que os déspotas sejam
avisados de que a Justiça os alcançará.
José Ramos-Horta é especialista em direitos
humanos pelo Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo, França) e ativista pela independência do Timor Leste. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1996
Texto disponível no website www.zmag.org
Tradução de
Clara Allain
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