São Paulo, terça-feira, 04 de junho de 2002

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FRANÇA

Líder da extrema direita diz que reportagem do "Le Monde" é campanha para prejudicar seu partido na eleição legislativa

Le Pen é acusado de tortura na Argélia

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Novos testemunhos publicados ontem na imprensa francesa reiteraram as acusações sobre o passado de torturador do líder de extrema direita Jean-Marie Le Pen, 74, durante a guerra de independência da Argélia (1954-1962).
O jornal "Le Monde" publicou quatro depoimentos inéditos de argelinos que explicam em detalhes os métodos de tortura que, segundo eles, foram utilizados por Le Pen, como choques elétricos no corpo molhado.
Tudo teria se passado entre janeiro e março de 1957, quando Le Pen, então tenente de regimento de pára-quedistas, participava de missão militar secreta.
A reportagem pode abalar a performance da Frente Nacional, partido de Le Pen, nas eleições legislativas -o primeiro turno será neste domingo.
Segundo pesquisa divulgada anteontem, a extrema direita tem 13% das intenções de voto, atrás apenas dos dois partidos de centro-direita (36%) e do Partido Socialista (24,5%).
Le Pen reagiu aos depoimentos, dizendo que não praticou tortura na Argélia e que vai processar o "Monde". Para ele, a reportagem, "publicada na semana que precede às legislativas", é uma "manipulação particularmente desleal". "Vinda depois do linchamento midiático do segundo turno das eleições presidenciais, ela constitui um verdadeiro apelo ao homicídio", afirmou.
Le Pen se referiu à grande campanha movida contra ele por diversos setores da sociedade francesa, inclusive vários jornais, depois que ele passou ao segundo turno das eleições presidenciais, no início de maio, vencido por Jacques Chirac (centro-direita).

História
Há quatro décadas, em 1962, Le Pen disse ao jornal "Combat" que praticou tortura na Argélia: "Não tenho nada a esconder, eu torturei porque era preciso fazê-lo". Recentemente, a Justiça francesa deu ganho de causa ao historiador Pierre Vidal-Naquet, processado por Le Pen por tê-lo citado como torturador em um livro.
Os argelinos entrevistados pelo "Monde" disseram ter resolvido se manifestar depois do avanço político de Le Pen nas eleições presidenciais.
Segundo Abdelkader Ammour, 64, na época da Guerra da Argélia com 19 anos, cerca de 20 homens comandados por Le Pen invadiram sua casa e o prenderam. "Eles ligaram os fios elétricos diretamente na tomada e os passaram no meu corpo. Eu uivava."
Ammour reconheceu Le Pen mais tarde, em fotos, e assim o descreveu ao "Monde": "Ele se fazia passar por "Marco". Respirava violência. Para ele, tratava-se muito mais de nos submeter do que de tirar informações".
Mustapha Merouane, 64, então com 18 anos, disse que foi despido e colocado sobre um estrado de metal. "Le Pen acionava o interruptor [dos fios elétricos". Ele depois pediu água e derramou sobre o meu corpo, antes de recomeçar com os choques", afirmou.
Mohamed Abdellaoui, 72, na época com 27 anos e militante do movimento revolucionário FLN (Frente de Libertação Nacional), disse que Le Pen cobriu seu rosto com uma toalha, enquanto o general Paul Aussaresses despejava água sobre sua boca. "Eu não sei se era uma toalha especial, mas a água entrava na minha boca sem parar, eu sufocava. Meu ventre ficou enorme. Le Pen subiu sobre mim. A água me saiu pela boca e pelo nariz", contou.
Aussaresses, 83, então comandante do serviço de informação, negou ao jornal que tivesse participado de uma seção de tortura com Le Pen. No ano passado, ele foi condenado pela Justiça por fazer apologia da tortura em livro.
A Guerra da Argélia terminou em 19 de março de 1962. Em julho daquele ano, o país, ocupado pela França desde 1830, tornou-se independente. A guerra marcou o fim do colonialismo francês.



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