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São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Um desafio político para Bush


Cada novo ataque desafia a vontade americana, central na campanha para mudar o Iraque


RICHARD W. STEVENSON
DO "NEW YORK TIMES",
EM CRAWFORD, TEXAS

A derrubada de um helicóptero americano no Iraque, anteontem, colocou o presidente Bush diante do seguinte desafio político: como impedir que a opinião pública se volte contra ele na questão do Iraque sem abrir mão do esforço para implantar uma democracia estável nesse país.
Já faz meses que americanos vêm morrendo no Iraque, atacados por um inimigo cuja natureza ainda é pouco conhecida. Mas a derrubada do helicóptero Chinook, matando 16 soldados, elevou a insurgência para um novo nível e leva a crer que sua eficácia esteja crescendo.
Até agora a maioria da população americana foi favorável à campanha no Iraque, e o governo Bush já afirmou várias vezes que vai manter a ocupação do país, mesmo num ano eleitoral.
Mas o fato é que comandantes militares e autoridades do governo até agora não vinham atribuindo grande importância à insurgência. É uma atitude que pode agora ser questionada. Ainda no sábado, o comandante das forças americanas no Iraque, general Ricardo Sanchez, disse que os ataques têm sido "estratégica e operacionalmente insignificantes".
Sejam quais forem os méritos da afirmação -e a verdade é que a derrubada de um helicóptero não é insignificante-, é possível que nada disso venha ao caso.
Bem armados e bem coordenados, os ataques contra as forças americanas, contra os iraquianos que cooperam com elas, contra civis e contra as instituições internacionais parecem ter um objetivo: enfraquecer a determinação americana e semear a dúvida, no Iraque e fora dele.
Bush foi informado do ataque ao helicóptero enquanto estava em sua fazenda em Crawford. Um porta-voz da Casa Branca, Trent Duffy, disse aos jornalistas: "Os terroristas buscam matar forças da coalizão e iraquianos inocentes porque querem que fujamos. Mas nossa vontade e nossa determinação são inabaláveis".
Entretanto Kenneth Allard, coronel reformado do Exército que leciona segurança internacional na Universidade Georgetown, sugeriu que os ataques iraquianos vão colocar a determinação americana à prova. "Cada um desses ataques desafia a vontade americana", disse ele, "e a vontade americana é o centro de gravidade desta campanha."
O tratamento que Bush está dando à questão do Iraque é alvo de críticas partidárias acirradas, que provavelmente vão se intensificar à medida que a campanha para a eleição presidencial de 2004 for tomando impulso.
Os democratas têm criticado especialmente a incapacidade de Bush de conseguir o engajamento substancial de aliados - com a exceção do Reino Unido- para o envio de tropas ao Iraque, fato que eles atribuem à pouca disposição manifestada pelo governo de forjar uma aliança real antes do início da guerra.
Está claro que Bush é sensível às pressões que estão sendo exercidas para que traga para casa mais tropas americanas no menor prazo possível. Indagado, na semana passada, sobre se poderia prometer que dentro de um ano o número de militares americanos no Iraque terá diminuído, o presidente se negou a responder, descrevendo a pergunta como "capciosa".
Wesley Clark, general e presidenciável democrata, declarou, após a derrubada do helicóptero, que "o governo não tem respostas a oferecer à situação de violência crescente no Iraque". Acrescentou: "Precisamos de um plano".
Embora as pesquisas indiquem uma queda de popularidade de Bush, o presidente ainda está em posição relativamente forte, e não há sinais de ruptura na opinião pública sobre o Iraque. A opinião pública dentro do Iraque, porém, é mais difícil de medir. E, a cada novo ataque, aumenta a pressão exercida sobre Bush para que ele mostre que não apenas possui um programa, mas também a determinação para executá-lo.
Para o coronel Kenneth Allard, a opinião pública americana é vulnerável a cada má notícia vinda do Iraque. E, disse ele, Bush e sua equipe ainda não conseguiram convencer a população iraquiana de que os EUA vão vencer a disputa. ""O maior medo dos iraquianos é que Saddam ou seus capangas possam voltar", disse Allard. "Tudo o que eles estão vendo agora pode levá-los a achar que os americanos correm o risco de desanimar."
O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, insistiu que os ataques não vão afetar a determinação do governo de concluir o trabalho iniciado no Iraque.
"Podemos ganhar esta guerra", disse ele. "Vamos ganhar esta guerra. E o presidente tem a intenção firme de continuar a perseguir os terroristas e os países que os abrigam, até que tenhamos ganhado esta guerra."
Apesar disso, os ataques e as baixas persistentes obrigaram o governo a reconhecer as dificuldades que existem pela frente. Na semana passada, Bush referiu-se repetidas vezes ao Iraque como lugar perigoso e praticamente desmentiu a bandeira de ""missão cumprida" pendurada atrás dele, no porta-aviões Abraham Lincoln, quando proclamou o fim das principais operações de combate, em maio.
Representantes do governo começaram a destacar que estão pressionando os iraquianos para que assumam uma parte maior da responsabilidade de enfrentar a guerra de guerrilha e a dizer que estão acelerando os planos de treinar iraquianos para assumir a segurança.
"A presença de tropas estrangeiras num país é algo que não é natural", disse Rumsfeld no programa "Fox News Sunday", referindo-se à presença de tropas americanas e aliadas no Iraque. "O objetivo é mantê-las no país pelo tempo que for necessário, e nem um dia a mais."
Mas não está claro até que ponto os iraquianos serão capazes de estabilizar seu país e resolver suas divisões políticas e religiosas, especialmente se as explosões e os atentados continuarem.


Tradução de Clara Allain


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